Resumo do livro “A Riqueza de Algumas Nações”, Malcolm Caldwell

(portugues.llco.org)

Malcolm Caldwell foi uma das poucas pessoas nascidas no Ocidente a visitar o Kampuchea (ou Camboja) sob o regime do “Khmer Vermelho” (se pronuncia ‘Jmer’, porque vem de uma tradução inglesa pro fonema ‘J’, como Zhukov, Brezhnev, Zhou En Lai…). Ele geralmente é lembrado como o ativista acadêmico que foi assassinado no ‘Kampuchea Democrático’ em 23 de Dezembro de 1978, pouco depois de entrevistar Pol Pot (então presidente do Kampuchea). A mídia ocidental, sedenta por qualquer coisa que pudesse desacreditar o regime Pol Pot e o ‘comunismo’, gritou aos quatro ventos que o incidente foi mais uma prova de que Pol Pot, como todos os ‘comunistas’, era cruel e insano. Os anticomunistas não fazem distinção entre comunistas de verdade e revisionistas como Pol Pot. Em todo caso, as verdadeiras razões da morte de Caldwell talvez nunca venham a ser conhecidas. Alguns dizem, com provas fracas, que a relação entre Caldwell e Pol Pot tinha amargado. Eles afirmam que Pol Pot mandou matar Caldwell pra evitar o constragimento que seria se um dos cidadãos ocidentais mais respeitados que apoiava o regime virasse a casaca. Outros divergem.

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Malcom Caldwell

Pelas palavras de alguns dos seus colegas ocidentais de viagem, Caldwell continou com seu apoio ardente ao regime durante seu turismo revolucionário. Dizem eles que o encontro dele com Pol Pot correu bem e que Caldwell estava impressionado com o “Irmão nº 1”. A versão oficial do regime kampucheano, que recebeu ainda menos atenção da mídia, se assenta nisso. Pela versão oficial kampucheana, Caldwell foi morto por uma facção dissidente, pró-vietnã, pra prejudicar a liderança do regime. Os vietnamitas começaram a invadir o Kampuchea dois dias depois a morte de Caldwell. A pergunta “Quem matou Caldwell” permanece. Em todo caso, a morte de Caldwell ganha mais atenção que a própria vida dele, o que é uma pena porque Caldwell escreveu alguns livros e artigos brilhantes. Publicado em setembro de 1977, quase um ano antes de sua morte, “A Riqueza de Algumas Nações” foi o último livro que ele escreveu.

O livro de Caldwell é complexo e desconexo. O próprio livro às vezes escapa de seus tópicos principais, e nem sempre é claro como esses desvios voltam a se juntar com os argumentos principais. O livro dele tem vontade de ser dois ou três livros –  um livro sobre o desenvolvimento do subdesenvolvimento dentro de um livro sobre os problemas do pico da produção de petróleo dentro de um livro sobre valor e agricultura – juntos, numa grande mistura. Este resumo se limita a algumas das principais questões que Caldwell discute. Não serei exaustivo sobre os vários desdobramentos complexos e afirmações do livro. A maior parte da obra é uma boa abordagem sobre o subdesenvolvimento do Terceiro Mundo. Caldwell rejeita opiniões chauvinistas convencionais que veem o subdesenvolvimento como resultado de um barbarismo não-europeu. Caldwell criticica especificamente os primeiromundistas que entendem o imperialismo como progressivo (benéfico pro povo):

“Até mesmo alguns marxistas no Ocidente tinham tendência a aceitar o desejo dos países avançados de dominar os atrasados até um tempo em que estes possam, em um caminho devido, ter capacidade o bastante pra arcar com toda a responsabilidade do auto-governo [em outras palavras, alguns ‘marxistas’ concordam com a vontade dos países ricos de mandar nos pobres até o dia em que os pobres possam merecer independência, como escravos que tem a promessa de ser livres aos 60 anos]. Alguns iam tão longe que afirmavam que mesmo que os países imperialistas se submetam a revoluções proletárias eles precisariam manter suas colônias pelas vantagens econômicas que conquistaram; essas vantagens, como foi dito, ajudaram a sustentar a civilização ocidental, que seria então vista como a única garantidora suprema do progresso pros povos dos países avançados e atrasados, igualmente.” (1)

Como Caldwell, tanto Lenin como Mao Zedong rejeitam a linha que pensa que o imperialismo é progressivo. Esse é o motivo que fez Lenin dizer que o capitalismo imperialista é decadente. Em outras palavras, o capitalismo, e sua forma imperialista, já esgotou seu potencial progressivo neste Mundo. Lenin chegou a descrever a relação entre dependência e imperialismo desse jeito:

“Se nós estamos falando de política colonial na época do imperialismo capitalista, devemos observar que o capital financeiro e sua política externa, que é a luta das grandes potências pela divisão econômica e política do Mundo, fez crescer um número de formas transitórias de dependência estatal. Não existem só dois tipos principais de países, aqueles que têm colônias, e as próprias colônias, mas também formas diversas de países dependentes que, politicamente, são formalmente independentes, mas de fato estão entrelaçados em uma rede de dependência financeira e diplomática…” (2)

Mao Zedong também sustentava uma visão em que colonialismo e imperialismo atrofiavam o desenvolvimento saudável dos países. A teoria de Mao da Nova Democracia é concebida como uma solução pro subdesenvolvimento imposto pelo colonialismo e pelo imperialismo. Mesmo a visão revolucionária sendo geralmente uma visão minoritária, ainda existem dentro dela muitos revisionistas. Ainda podemos contar que esses revisionistas ultrapassem o número de comunistas até nós nos aproximarmos da vitória em escala mundial. Antes de 1917, no cenário mundial, o chauvinismo (nacionalismo egoísta) e o social-imperialismo revisionista comandavam. Lenin era muito marginal, por exemplo. Hoje, o comunismo verdadeiro está numa posição similar à de Lenin em fraqueza. Marxismo falso, primeiro-mundismo, social-imperialismo, social-fascismo e chauvinismo (é no meio deles que o trotskysmo e a social-democracia estão) são o que domina no meio da “esquerda”. Se um super-chauvinismo desse tipo, que Caldwell descreve, é propagado abertamente ou não, ideias como essa ou similares a essa estão implícitas na versão de ‘marxismo’ defendida por todos os primeiromundistas. Os primeiromundistas se recusam a reconhecer que os povos do Primeiro-Mundo como um todo, incluindo os ‘trabalhadores’ do Primeiro-Mundo, se beneficiam por demais do imperialismo. Eles se recusam a admitir que a qualidade de vida dos povos do Primeiro-Mundo é diretamente conectada com a pobreza e o sofrimento do Terceiro-Mundo. A menos que alguém esteja a favor de uma redução da qualidade de vida do Primeiro-Mundo, esse alguém estará, de fato, a favor do imperialismo. Na verdade, alguns revisionistas primeiro-mundistas zombam de uma justa redistribuição de riqueza e poder entre os países como se sendo uma “linha vingativa”. Esses primeiromundistas rejeitam a igualdade entre os países se ela reduzir o padrão de vida dos ‘trabalhadores’ do Primeiro Mundo, coisa que, claro, ela vai fazer.

tinha-que-serCaldwell expõe o primeiromundismo como pura fantasia dando aos primeiromundistas uma aula de história sobre colonialismo e subdesenvolvimento. Caldwell questiona por quê os países da Europa Ocidental foram os principais praticantes de imperialismo até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tomaram a direção. A explicação de Caldwell pra ascendência da Europa, dos EUA e do Primeiro Mundo adiciona uma reviravolta pras explicações parecidas encontradas em outros ativistas acadêmicos quase-terceiromundistas como Gunder Frank, por exemplo. Caldwell acredita que só os países da Europa Ocidental foram capazes de conseguir uma vantagem completa dos mercados emergentes do final da Idade Média. Eles estavam situados entre os países frios da Escandinávia e os países quentes do Mediterrâneo. A geografia deles permitiu que tirassem vantagem dos mercados mundiais emergentes. Eles tinham acesso ao oceano, que eram as auto-estradas do sistema mundial emergente. Então, quando eles descobriram o Novo Mundo (continente Americano), estavam numa posição única pra aproveitar a riqueza dele.

“Crescendo das expansões marítimas dos séculos XVI e XVII, os países da Europa Ocidental foram capazes de tomar e concentrar em seus próprios cofres uma riqueza de pilhagem de uma magnitude muito além do que qualquer um pudesse imaginar… Ouro e prata roubados da América Latina, fortunas que a Holanda construiu sobre os ossos do povo indonésio, e tudo que a Inglaterra saqueou da Índia ajudou na compra de carne humana, suprimento de escravos pro pioneirismo de latifundiários e donos de minas em terras pouco povoadas de assentamentos recém-criados, como as Américas.” (3) [Isso inclui Portugal e suas colônias]

Caldwell cita a estimativa de Ernest Mandel de que o total de bens  transportados pelos colonialistas valia mais de 1 bilhão de libras. Isso é uma soma espantosa considerando que, no final dos anos 1770, a renda nacional britânica era de 125 milhões de libras. Os comunistas Luzes-Guiadoras estimam que esse número seja muito maior. Essa afluência de valores da pilhagem e da exploração do Novo Mundo foi a “acumulação primitiva” que permitiu à Europa Ocidental dar o salto pro capitalismo industrial. (4)

Fases do subdesenvolvimento

De acordo com Caldwell, houveram algumas fases diferentes no desenvolvimento do subdesenvolvimento desde o século XVIII. A primeira fase durou do começo da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, até o final do século XIX. Caldwell descreve esse período. A Produção Industrial era limitada aos países imperialistas da Europa Ocidental (e aos seus descendentes na América do Norte). O valor excedente (lucro) era extraído do trabalho assalariado que era empregado na fabricação de larga-escala. Às margens da economia mundial euro-americana emergente, Ásia, África e Latinoamérica forneciam fluxo de valor pra dentro dos cofres dos países que se industrializavam, principalmente pra Europa Ocidental. A acumulação primitiva de capital ocorria de variadas formas e beneficiava os povos dos países que se industrializavam, países imperiais e [ricos]compradores locais em cada colônia. Vindas dos países imperiais, as mercadorias industrializadas afogavam o Mundo Colonial. Junto com as políticas imperiais feitas pra destruir a autonomia industrial das colônias, a inundação dos mercados coloniais com artigos importados provocava uma ampla eliminação de artesanatos, manufaturas preindustriais e até indústrias. As economias coloniais eram transformadas em economias muitos inclinadas prum lado, dominadas pela exportação de poucos tipos de itens. Nesse período, o transporte por longas distâncias não era muito bem conhecido. Por conta disso, diz Caldwell, houve uma abertura pra que alguns países fora da Europa Ocidental pudessem dar passos limitados em direção à autonomia industrial. Por exemplo, passos foram dados na Rússia, Japão, Espanha e Itália (o conceito de “Europa Ocidental” de Caldwell parece se limitar a França e Inglaterra). Por outro lado, [no resto do mundo] a industrialização autônoma era atrofiada por [ricos] compradores locais endividados com juros imperiais. (5)

africa-coca-cola-2010-10-5Os últimos três anos do século XIX marcam o início de uma nova fase, segundo Caldwell. Uma Revolução Tecnológica estava conquistando espaço, especialmente nos transportes e comunicações: O barco a vapor, o telégrafo elétrico, a abertura do canal do Suez etc. Essa revolução tecnológica se combinava com a crescente oferta de capital, conhecimento e capacidade produtiva dos países imperiais. Praticamente todas as partes povoadas do Planeta estavam ligadas ao Mercado Mundial. Os produtos do Ocidente viajavam por toda parte, destruindo o que restava de bastiões da produção artesanal e indústrias emergentes do Mundo Colonial. A habilidade de gerar imensamente mais capital permitiu aos países industrializados exportar capital numa escala sem precedentes. Isso minou ainda mais o desenvolvimento autônomo do Mundo Colonial. A exceção aqui era o Japão, onde os primeiros passos efetivos foram dados pra prevenir investimentos estrangeiros. A exportação de capital ocidental atrofiou e abortou o desenvolvimento colonial. As atividades econômicas dos países coloniais e semi-coloniais era subordinada aos interesses dos imperialistas do Ocidente. Só atividades econômicas complementares ou compatíveis com os interesses imperiais tinham permissão pra sobreviver no mundo colonial: distribuição de importados ocidentais; compra e entrega da produção trabalhosamente colhida por pequenos produtores pra armazéns ocidentais pros portos de saída; trabalho clerical em escritórios ocidentais, bancos, seguradoras; casas comerciais e de agenciamento, serviços pra hotelaria doméstica, bares, cassinos e bordéis etc; fornecimento pro comércio turístico; um pouco de construção; comércio de terrenos; conserto de máquinas em pequena escala etc. A demanda por matérias-primas explodiu. O capital atingiu uma proporção mundial e tomou lugar de métodos antigos de produção e extração. A Grã-Bretânia se moveu diretamente pra dentro da África do Sul, estados malásios etc. os preços das matérias-primas tiveram um deslize pra baixo de 1873 até 1973. A extração delas rapidamente se “moderniza” nas colônias. Porém, a “modernização” da extração de matérias-primas não criou economias desenvolvidas, independentes e balanceadas. Em vez disso, criou uma situação em que as economias são atrofiadas num padrão desbalanceado e dependente caracterizado pela predominância do Setor Primário, estando os Setores Secundário e Terciário especificamente moldados pra facilitar a exploração imperialista dos recursos e do trabalho. Pela falha das economias do Mundo Colonial em se mover pra frente, o trabalho continua barato. É por isso que o mundo colonial continua sendo um lugar atrativo pros investidores estrangeiros. (6)

usoutsmA Terceira fase emerge da “prolongada depressão entre-guerras e da passagem entre o abandono britânico dos reinos que eram responsáveis por manter as regras e o impulso da economia capitalista internacional pra submissão deles à América.” (7) As mudanças tecnológicas estavam acelerando, e resultaram em complexas repercussões econômicas. Passou a existir um esforço conscientemente aumentado pelo controle econômico internacional e pela integração econômica internacional pra beneficiar os países imperialistas e seus compradores e mercenários no Terceiro Mundo pós-colonial. É esse aspecto que é descrito por Lin Biao em 1965 no livro “Viva a vitória da Guerra Popular!” A rivalidade interimperialista se tornou menos aguda. A integração dos interesses imperialistas dificultou pras forças revolucionárias jogar os imperialistas uns contra os outros. Agora, as classes populares do Terceiro Mundo ficam contra o Primeiro Mundo por inteiro. Uma industrialização rápida está acontecendo em muitas partes do Terceiro Mundo no período pós-guerra. No entanto, é uma industrialização de tipo bem particular. Geralmente ela é empreendida por corporações multinacionais pra extrair os lucros da super-exploração do trabalho e dos recursos. Esse tipo de industrialização não acaba com a praga do subdesenvolvimento, só fortalece ela. Estados compradores no Terceiro Mundo reprimem brutalmente a força de trabalho usando a polícia, militares e paramilitares, frequentemente treinados e armados pelos imperialistas, especificamente os Estados Unidos. Tem também um crescimento de empresas estatais pelo Terceiro Mundo. Isso é um crescimento do que os Maoístas descreveram como “capitalismo burocrático” típico das economias do Terceiro Mundo. Hoje, a industrialização no Terceiro Mundo é feita pra beneficiar o Terceiro Mundo, direta ou indiretamente. Nenhum lugar no Terceiro Mundo está vivendo alguma experiência de industrialização que sirva pra modelar um desenvolvimento nacional completamente autônomo. Ao contrário, o que se vê nele é um padrão muito específico de subdesenvolvimento dependente. (8)

A dependência nessa fase tem ainda outras características. Uma é a dependência por ajuda estrangeira e empréstimos, que leva a uma dependência que cresce com o passar do tempo. Os imperialistas que dão as ajudas e empréstimos são, naturalmente, aqueles com o poder. Essas ajudas e empréstimos vêm com contratos cheios de termos e condições. Essas condições não são colocadas pra beneficiar nem a curto nem a longo prazo os países recipientes. As ajudas e empréstimos, na maioria das vezes, só beneficiam as elites compradoras e os próprios países imperialistas. Elas são uma forma de os imperialistas exercitarem ainda mais controle sobre suas semicolônias e neocolônias. São também uma forma de os imperialistas comprarem apoio na comunidade internacional (projetos deles nas reuniões da ONU, por exemplo). Outras vezes, essa ‘caridade’ serve pra ameaçar certos países garantindo acesso em solo do Terceiro Mundo pra construir bases militares. Caldwell aponta como essas doações e empréstimos tiveram um “propósito econômico rigoroso: construção de infraestrutura vital pra projetos de investimento modernos e sofisticados; restrição de crédito local pra reduzir competição local e impedir atividade estatal local em áreas consideradas terreno lucrativo pras ‘forças do mercado’ (outro nome pra Investidores Estrangeiros) operarem; imposição de legislação imensamente favorável às condições dos investidores estrangeiros; e coisas parecidas.” (9) Outra característica da dependência do período pós-segunda guerra mundial é o aumento da escala em que a economia fica efetivamente em mãos estrangeiras. Em lugares como Quênia ou Malásia, latifúndios de propriedade estrangeira tomam até a porção de terra dos leões das terras aráveis. Isso cria problemas pros camponeses pobres e sem-terra, que levam uma vida mais e mais difícil tentando ajudar a si mesmos enquanto são forçados a sair da economia tradicional. O sofrimento do campesinato só é piorado por problemas ecológicos e a fome, que pode acontecer quando as técnicas de monocultivo substituem o plantio tradicional.

1192Outra característica é a presença de forças estrangeiras cujos mandatos estão muito longe do interesse da esmagadora maioria dos povos do Terceiro Mundo. Essas forças podem ser pessoal experiente estacionado em algum país do Terceiro Mundo pra assegurar que o país continue num caminho que beneficie os imperialistas. Eles podem constituídos de estrangeiros de países do Primeiro Mundo, mercenários, ou pessoas locais treinadas no Ocidente pra ajudar a manter a dominação imperialista nesse país. Nos casos mais notáveis, essas forças são militares ou mercenários armados estacionados em um país do Terceiro Mundo pra ajudar a manter um regime ditatorial sobre a população local. Ou, eles podem dar treinamento ou até agir como “esquadrões da morte” locais pra rondar zonas rurais e universidades, matando suspeitos de oposição ou camponeses pobres. (10)

Por fim, Caldwell demonstra como outra característica é a de que a forma como o capital doméstico se comporta numa industrialização dependente, neo-colonial, é muito diferente do seu comportamento em processos de industrialização do passado. Isso é verdade por um número de razões complexas. No entanto, o resultado é claro o bastante, como disse Caldwell. O capital local, apesar de participar do setor industrial, tende a se voltar pra aplicações menos produtivas ou improdutivas, como especulação imobiliária, especulação financeiras, serviços etc. Um capital verdadeiramente nacional não se desenvolve. Em outras palavras, esse processo de industrialização não move os países do Terceiro Mundo na mesma direção dos de Primeiro Mundo. (11)

Riqueza do Primeiro Mundo = Pobreza do Terceiro Mundo

Caldwell percebe as ligações entre a riqueza do Primeiro Mundo e a pobreza no Terceiro Mundo:

“Assim que a industrialização está seguramente lançada, e a classe trabalhadora dos países pioneiros começa a ganhar algum benefício disso (em parte pela própria luta deles mesmos; em outra parte como consequência de trocas desiguais), um número de indicadores-chave marginais cresce… Em média, e ponderando as variações, nós podemos ver que por um longo período de tempo nos países mais ricos do Mundo houve uma melhoria no padrão de vida das populações como um todo. Isso se mostra claramente quando alguém olha pra série de figuras [fotos] por a longo prazo…” (12)

“Certas mudanças socioeconômicas mensuráveis foram invariavelmente acompanhadas com o desenvolvimento (da forma como ele é convencionalmente entendido) e crescimento. Não é difícil demonstrar que durante o período colonial nos países submissos muitos desses indicadores estavam se movendo numa direção oposta àquela associada com o desenvolvimento. Por exemplo, a porcentagem populacional no setor primário frequentemente crescia, como em Java. Ou a Taxa de Alfabetização caía, como na Birmânia sob o domínio britânico. Ou as calorias e proteínas consumidas por dia per capita caíam; isso foi muito comum, se não [foi] universal.” (13)

“[Desde] o começo do período de expansionismo europeu e imperialismo, nós podemos notar que, hoje, um sistema internacional de ‘consumo desigual’ existe, um tipo de imperialismo de proteínas, em que os povos dos países ricos, num sentido [quase] literal, tiram comida de muitas bocas e barrigas dos pobres…” (14)

12714444_1558831207773853_377243860_nÀ medida que as massas no Mundo subdesenvolvido são forçadas a viver na pobreza, os povos do mundo “superdesenvolvido” ganham acesso a uma melhor qualidade de vida. Caldwell afirma que “um punhado de países foram capazes de construir e se beneficiar – trabalhadores e empregadores igualmente – de um sistema elaborado de trocas desiguais condenando os pobres e os países pobres a uma pobreza frequentemente referida pelos estudiosos ocidentais e liberais como ‘desesperada’…” (15) Pelo benefício que tem com o subdesenvolvimento que o imperialismo cria no Terceiro Mundo, os trabalhadores do Primeiro Mundo se aliam ao imperialismo contra as camadas populares do Terceiro Mundo. Isso acaba com o internacionalismo entre os povos do Primeiro Mundo e do Terceiro Mundo. Lenin chamou isso de “rompimento na classe trabalhadora.” Caldwell cita Arghiri Emmanuel sobre como, quando os privilégios imperiais deles estavam ameaçados, os trabalhadores franceses na Argélia apoiaram o imperialismo contra o movimento nacional de libertação:

“Foi o proletariado europeu de Bab-el-Oeud (que antes era uma fortaleza do Partido Comunista Argelino) que se mobilizou em defesa da Argélia Francesa e deu suprimentos pros assassinos da OAS. Pra eles, isso era uma questão de vida ou morte. Os privilégios deles eram a qualidade deles como Europeus ou brancos. A Argélia como uma dependência francesa garantia a eles [receber] salários europeus, ou franceses, em um país subdesenvolvido. Eles faturavam em poucos dias o que um argelino faturava em um mês… ‘La valise ou la cercueil’ – a mala (pra uma fuga pra França) ou a cova – era um ditado que só se relacionava com o problema deles.” (16)

Esse padrão se repetiu de novo e de novo. Friedrich Engels se referia a esse fenômeno como aburguesação da classe trabalhadora. Lenin descreveu essa classe aburguesada, reacionária, como a “aristocracia laboral.” A classe assalariada do Primeiro Mundo não constitui um proletariado em nenhum sentido significativo. Eles não são base social pra uma revolução socialista ou comunista. Eles são uma classe exploradora que recebe uma fatia do Produto Social Global muito maior do que deveriam. Como a burguesia, os trabalhadores do Primeiro Mundo se apropriam de valor criado por produtores do Terceiro Mundo. Não é só porque a exploração nem sempre é direta que deixa de ser exploração. E, quando os privilégios do Primeiro Mundo são ameaçados, os trabalhadores primeiromundistas seguem o caminho do fascismo, não do internacionalismo.

obesity-povertycartoon-copiaA aburguesação dos povos do Primeiro Mundo como um todo é acompanhada do crescimento do setor não-produtivo, como demonstrou Caldwell. Pra Marx, o trabalho não-produtivo é aquele que não contribui pro Produto Social Global; que não cria valor. Os povos do Primeiro Mundo consomem mais e mais, mesmo produzindo menos e menos. Esse é o crescimento da economia de Shopping Center do Primeiro Mundo. As economias do Primeiro Mundo podem ser vistas como versões de Shopping Center. Muito pouco é produzido no Shopping Center. Apesar disso, muitas pessoas são empregadas na administração, na distribuição, e em serviços. Porém, o valor que permite o Shopping existir é produzido fora dele, no Terceiro Mundo. Caldwell também aponta que o “superdesenvolvimento” do Primeiro Mundo sigifica o crescimento de setores não-produtivos em grandes proporções.

Escassez de Recursos

Partes do livro de Caldwell são muito contemporâneas, algumas são até datadas. Caldwell estava muitas décadas a frente do seu tempo em discussões sobre temas ecológicos. Caldwell demonstra que o comportamento dos seres humanos em sua natureza, a geração de energia e o uso dela pras intenções humanas não escapam das leis da física, especialmente a segunda lei da termodinâmica, a entropia. Caldwell fez uma extensa discussão sobre a diminuição das reservas de energia, incluido o “pico do petróleo” e o “pico do carvão.” Em 1977, Caldwell colocou o pico da produção do óleo “nos próximos 50 a 100 anos.” E, antecipando as atuais guerras por petróleo, escreveu Caldwell, “à medida que o pico da produção se aproxima, surgirão competições ferozes pelo controle das reservas que sobrarem…” (17) A previsão de Caldwell dos anos do pico da produção corresponde aproximadamente com outras estimativas. Por exemplo, a Associação pro Estudo do Pico do Petróleo e do Gás previu que a produção de petróleo em todo o Mundo atingiria seu pico em 2010. (18) Caldwell afirma que a riqueza que diverte o Primeiro Mundo é baseada na oferta de seus combustíveis fósseis e outros recursos não-renováveis, tudo que está em declínio. Caldwell faz o comentário de que os “países superdesenvolvidos são dependentes da rede de fluxo continuado de recursos não-renováveis de verdade… dos países subdesenvolvidos, das populações pra quem isso representa um obstáculo pro seus desenvolvimentos autônomos.” (19)

“Os combustíveis fósseis são, no entanto, uma oferta finita, e enquanto nós pudermos substituir a energia derivada de outras fontes pra alimentar as máquinas – fontes como a energia solar, nuclear, e calor subterrâneo – não tem substituto pros combustíveis fósseis conhecido ou mesmo teoricamente concebido que permita a produção de alimentos no presente volume, um volume muito acima do ótimo ‘natural’ que seria possível num mundo impossível de se imaginar sobre as reservas carbonáceas (combustíveis fósseis) que estamos desperdiçando agora. Disso segue que nós devemos conservar – ao máximo possível – o que sobrou de combustíveis fósseis pra fins de agricultura na intenção ganhar tempo [pras fontes alternativas] e fazer um reajuste mais ordenado pra uma economia mundial independente deles.” (20)

Caldwell também assinala que a produção de alimentos do Primeiro Mundo, que é insustentável e se baseia em imperialismo, tem consequências terríveis pros países subdesenvolvidos:

“Um país superdesenvolvido, então, é aquele em que as forças de produção se desenvolveram a um ponto que, apesar das relações de produção dominantes, tem que estar numa rede de importação cada vez maior de proteínas e hidrocarbonetos se ele quiser manter ou aumentar um certo nível e tipo de consumo per capita de sua população.” (21)

“Um panorama geral é aproximadamente esse. Os países pobres subdesenvolvidos como um todo enviam anualmente pros países ricos superdesenvolvidos como um todo alguma coisa perto de 3,5 mihões de toneladas de proteína de alta qualidade (pescado, tortas de óleo, ervilhas, feijões, lentilhas etc.), enquanto os países superdesenvolvidos devolvem pros subdesenvolvidos carregamentos de proteína grosseira baseada principalmente em grãos. A África exporta quase 2.5 milhões de amêndoas [VER TRADUÇÃO DE OIL CAKE e GROUND NUT]; o Peru vende peixe; México, Panamá, Hong Kong e Índia vendem camarões; em cada caso, às custas de seus própios pobres, que – com as exportações retidas e razoavelmente redistribuídas – poderiam dar grandes passos rumo a uma nutrição adequada. Em contraste… a Dinamarca importa grandes quantidades de bagaço de sementes oleaginosas [TRADUZIR OILSEED CAKES] e grãos pra abastecer criatórios (e fazer leite, manteiga, queijo, carne e ovos pra eles); anualmente, a Dinamarca adquire 140 libras de proteínas per capita de sua população, três vezes mais que a média de consumo anual de sua população. Aqui, nós temos a típica fartura do superdesenvolvimento. Já foi calculado que a mesma quantidade de comida que alimenta 210 milhões de americanos poderia alimentar 1,5 bilhão de asiáticos em uma dieta chinesa mediana (que é, em termos asiáticos, uma nutrição adequada). Os animais têm que consumir uma média de 10 libras de proteína vegetal pra produzir 1 libra de proteína animal, enquanto pro gado a razão entre elas chega a 21:1, o que quer dizer que cada libra de bife consumida em países superdesenvolvidos poderia (em tese) oferecer uma mesma quantidade de proteínas pra outras 20 pessoas. O consumo americano de carne absorve uma quantidade de proteína equivalente a 90% da deficiência mundial anual de proteínas.” (22)

2847319354_646eddd0afO “superdesenvolvimento” do Primeiro Mundo representa um terrível sofrimento pra imensa maioria da humanidade no Terceiro Mundo. Em adição, pra ser injusto, a atual distruibuição do valor e da energia por todo o Mundo simplesmente não pode durar pra sempre. A existência continuada do Primeiro Mundo não é impossível só por questões morais, mas é intolerável pelas leis da Física. O uso de energia e consumo de alimentos do Primeiro Mundo não é sustentável. O Primeiro Mundo, e seu padrão de vida decadente, vai se acabar de um jeito ou de outro.

“O que fazer?”

Caldwell aponta que a estrada econômica do Primeiro Mundo simplesmente não está disponível pro Terceiro Mundo:

“Estariam os países de hoje dispostos a atingir padrões de vida mais altos realmente pensando em seguir o modelo dos primeiros países industrializados? Isso resultaria na anexação deles de colônias com recursos realmente não-renováveis, extraindo eles de lugares onde estão praticamente intocados. Sem falar de todo tipo de dificuldades que possam vir da anexação, tudo que precisa ser dito é que, como resultado do desenvolvimento dos países que já são ricos, nenhuma área intocada desse tipo existe maisno Mundo de hoje.” (23)

“O que tomou lugar historicamente pra formar uma rede de movimentos em escala massiva de recurssos não-renováveis dos países pobres pros industrializados não pode ser revertido.” (24)

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“LIBERTAR A TERRA-MÃE!” As calças dizem: “Marionete Neocolonial,” “Imperialista Capitalista,” “Senhor da Guerra Mercenário Neocolonial” e “Militares Imperialistas.” O Primeiro Mundo é uma besta do tamanho do Mundo que respira pelos países pobres, mas se tapamos todos os seus poros ela se asfixia, definha e fica fraca o bastante pra ser abatida.

Os recursos não-renováveis retirados do Terceiro Mundo pra desenvolver o Primeiro Mundo não existem. E, os países do Terceiro Mundo estão, por conta dos séculos de subdesenvolvimento, começando [a tentar crescer] com recursos não-renováveis já esgotados. O mundo das matérias-primas baratas será uma coisa do passado quando o pico da produção for atingido. (25)

Apesar de Caldwell ter ficado meio que em cima do muro por ser incapaz de continuar consistente em suas críticas aos trabalhadores do Primeiro Mundo, ele continua tendo muito a oferecer. Se Caldwell fosse mais honesto, ele poderia ser um completo terceiromundista. Por causa disso, Caldwell sofreu da mesma falta de coragem que Hayter e outros de cima do muro. Contudo, Caldwell claramente está correto em reconhecer que o caminho pro desenvolvimento do Terceiro Mundo é a luta armada. O livro dele conclui descrevendo muitos exemplos de desenvolvimento satisfatório, autônomo, pelo Terceiro Mundo, especialmente no sudeste asiático. Apesar disso, Caldwell escreveu num momento histórico muito diferente. Em 1977, muitos não reconheceram a reversão do socialismo que foi feita na China e no Vietnã. Na China, a Revolução Maoísta finalizou seu progresso em 1971 com a queda de Lin Biao, o fim da linha da Guerra Popular Global e o abandono do avanço econômico maoísta radical extraoficialmente conhecido como o “Salto Voador.” A China começou a se alinhar com o Ocidente, reverter os purgos da Revolução Cultural, e renegar a economia maoísta radical pelos anos 1970. A queda de Lin Biao foi o momento mais destruidor. As reversões seguintes nos anos 1970 foram como gemidos, em comparação. A morte de Mao e a posse de Deng Xiaoping foram os últimos pregos do caixão. Já no Vietnã, o socialismo já tinha nascido morto devido à influência do revisionismo do social-imperialismo soviético. Naquela época, quando o socialismo estava se enfraquecendo em outras partes, depois de enfrentar uma guerra heroica contra o imperialismo americano genocida, o Khmer Vermelho parecia estar cumprindo um papel progressivo com uma tentativa radical de Revolução social. Em 1977, a esperança de Caldwell, como tantos outros, foi depositada nas propostas que pareciam ser socialmente radicais feitas pelo Khmer Vermelho. No entanto, essa esperança se mostrou mal colocada quando os erros do Khmer Vermelho foram revelados depois do regime deles entrar em colapso quando os vietnamitas invadiram e ocuparam o território deles. Mesmo Caldwell estando errado em louvar o suposto “sucesso” do estado kampucheano, ele está correto que o caminho pro desenvolvimento é a Revolução Armada e o Socialismo. Hoje, esse é o caminho da Guerra Popular Global, sob a bandeira do Comunismo Luz-Guiadora.

Malcom Caldwell, membro do Khmer Vermelho, Elizabeth Becker e Richard Dudman.
Malcom Caldwell, membro do Khmer Vermelho, Elizabeth Becker e Richard Dudman.

Resumido pelo Comandante Campo Flamejante.
Traduzido pro português por Rivaldo Cardoso Melo.

Fontes:

1. Caldwell, Malcolm. The Wealth of Some Nations. Zed Press London: 1977 p. 51 [Caldwell, Malcolm. A Riqueza de Algumas Nações. Editora: Zed Press. Londres: 1977, página 51]
2. Lenin, 1967, Vol. 1. pp. 742-743
3. Caldwell, p. 55
4. Caldwell, p. 55
5. Caldwell, pp. 54-59
6. Caldwell, pp. 54-59
7. Caldwell, p. 58
8. Caldwell, pp. 54-59
9. Caldwell, pp. 60-61
10. Caldwell, pp. 60-61
11. Caldwell, pp. 59-62
12. Caldwell, p. 109
13. Caldwell, p. 69
14. Caldwell, p. 93
15. Caldwell, p. 92
16. Caldwell, p. 92-93
17. Caldwell, p. 13
18. http://en.wikipedia.org/wiki/Predicting_the_timing_of_peak_oil18. Caldwell, p. 12
19. Caldwell, p. 108
20. Caldwell, p. 13
21. Caldwell, p. 98
22. Caldwell, p. 103
23. Caldwell, p. 68
24. Caldwell, p. 68
25. Caldwell, p. 71