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Se levantam os Mares, as Nuvens e as Águas enfurecem
A Grande Revolução Cultural Proletária começa, China Maoísta de 1958 até 16 de Maio de 1966.
Parte 1 : http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-1/
Parte 2: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-2/
Parte 3: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-3/
Parte 4: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-4/
Parte 5: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-5/
Parte 6: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-6/
Parte 7: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-7/
Parte 8: http://portugues.llco.org/comeca-a-grcp-o-levantar-do-novo-poder-e-da-nova-ideologia-parte-8/
Um dos maiores problemas que os comunistas enfrentaram foi “Como manter a revolução se movendo pra frente? Como prevenir a estagnação e a reversão?” Essas dúvidas são ligadas a problemas como corrupção, burocracia e degeneração. O regime stalinista via a si mesmo pelas lentes da Revolução Industrial. A metáfora da máquina era usada com frequência pra descrever o Socialismo. A máquina, e também o homem-máquina, era romantizada na propaganda, na literatura, e em outras artes. O desenvolvimento tecnológico era visto geralmente como o principal fator determinante pra saúde do Socialismo e caminho pro futuro Comunista. Tanto Stalin como seu rival Trotsky partilhavam dessa visão. Lenin comentou uma vez que o Socialismo era igual a Poder Soviético + Eletricidade. [A União Soviética fez até uma animação encantadora sobre isso, chamada “Mais Eletrificação”:]
http://www.youtube.com/watch?v=VvhhjayTB74
Esse tipo de mentalidade seria depois criticada pelos maoístas quando os oponentes deles adotaram ideias similares na China. É a chamada “Teoria das Forças Produtivas.” Esse tipo de visão no regime de Stalin teve uma relação próxima com a formação de um Estado policialesco ali. Como o Socialismo era visto como uma máquina, então qual seria a explicação das falhas do sistema em criar níveis maiores de prosperidade? Qual é a explicação pras falhas da máquina? O primeiro tipo de explicação pensado, e o mais fácil, era o de que o problema não estava na máquina, no próprio socialismo, mas em forças estranhas que eram hostis à máquina, sabotadores e espiões. É natural que esse tipo de visão se desenvolvesse num Estado policial. O uso de terror policial como uma maneira de fazer a Revolução não era novidade. Durante a Revolução Francesa, Maximilien Robespierre, do Comitê de Segurança Pública, disse abertamente que não existe virtude sem terror. O terror de Stalin, os purgos, era um terrorismo feito, na maioria das vezes, não contra o povo em geral, mas contra o próprio Partido. Às vezes metaforicamente, às vezes literalmente, esse terror era uma arma apontada na cabeça de cada quadro, cada pessoa empregada em cargos de responsabilidade, pra eliminar a corrupção e a sabotagem, pra assegurar a virtude, pra assegurar que a máquina funcionasse como deveria. Agora, é claro que isso é uma simplificação muito reducionista pra natureza complexa do regime de Stalin, mas aponta um aspecto importante, que não pode ser ignorado. Os maoístas não queriam repetir esse aspecto da experiência soviética. Em seus melhores momentos, eles desenvolveram outra visão, mais dinâmica, sobre o socialismo. Os maoístas procuraram resolver o problema de “continuar a Revolução sob a Ditadura do Proletariado” de outro jeito. O socialismo não foi pensado pra ser tão estático como ele foi no regime stalinista. O socialismo é uma forma social mais transitória e imperfeita, e que poderia gerar novas desigualdades, desigualdades que poderiam se solidificar e ficar permanentes. No fim, fora dos problemas estruturais e ideológicos do socialismo, um novo tipo de classe, uma nova burguesia, poderia surgir dentro dos centros do poder, “dentro do próprio Partido Comunista.” Poderia chegar ao ponto desse processo levar à contrarrevolução, e levou. Os maoístas alertaram que “a bandeira poderia mudar de cor.” Em outras palavras, em vez de encarar os problemas como normalmente estranhos ao sistema, que foi o que os soviéticos fizeram, os maoístas, em seus melhores momentos, disseram que os problemas eram parte da natureza transitória do próprio sistema. Eles viam a luta de classes, e não mais policiamento, como maneira principal de prevenir a contrarrevolução, de continuar o impulso revolucionário. “Luta de Classes” significou muitas coisas durante o período da Revolução Cultural, de 1965 a 1969, quando a maioria das ideias maoístas ficou mais desenvolvida. “Luta de classes” significou luta ideológica nos campos da política e da cultura. Significou mobilizações em massa, confiança no Poder Popular. Significou também o desenvolvimento de um Poder Paralelo, Novo Poder. Esta última característica da Luta de Classes é uma das mais ignoradas pelos maoístas de hoje quando eles explicam a Revolução Cultural.
Como qualquer Revolução do Mundo de hoje, revolucionar não é o simples ato de derrubar o Estado. A revolução não é um golpe. O Estado e as outras instituições sociais não são só instrumentos da luta de classes; eles podem, em certo sentido, se tornar capitalistas por si mesmos. Portanto, não basta pra Revolução derrubar as instituições existentes, mas esmagar elas. E mesmo assim, esmagar o poder da burguesia não é o suficiente. É preciso preencher o vácuo de poder com Novo Poder, novas instituições do proletariado, comandadas pela Ideologia Proletária, Ciência Revolucionária. Luta de classes é um caso de (no mínimo) dois tipos de instituições lideradas por duas ideologias diferentes, envolvendo duas classes diferentes numa luta pelo domínio de toda a sociedade. Com esse tipo de visão, o socialismo vira um campo de batalha onde um tipo de guerra popular metafórica tem que ser feita continuamente pelo Proletariado contra as novas burguesias pelo controle da sociedade. Ideologia proletária contra ideologia burguesa, Novo Poder contra Velho Poder, mesmo durante o período socialista já alcançado.
A influência maoísta se reduziu depois dos problemas do Grande Salto pra Frente, que durou mais ou menos de 1957 até 1961. Os maoístas tinham cada vez menos coisas pra fazer no dia-a-dia do Partido. Eles eram postos de lado de várias maneiras por um grupo liderado pelo outro presidente da China, Liu Shaoqi, Presidente do Governo, que seria depois apontado como “o maior condutor pro capitalismo” em 1967, quando a Revolução Cultural atingiu seu pico. Contudo, já em alguns anos antes de acontecer a Revolução Cultural, houve um aumento de tensão entre as facções maoístas e as facções direitistas, revisionistas, capitalistas, que viviam dentro do Partido, além de lutas dentro das próprias facções. A facção maoísta estava dividida dentro da esquerda do Partido, da esquerda do Exército, e dos movimentos de massas de esquerda, com interesses que às vezes se conflitavam, e de vez em quando com muita violência. A facação direitista, capitalista, continha um polo mais tradicionalmente nacionalista, de autoritarismo confuciano, mas também continha polo liberal, de estilo ocidental, e, de maneira similar, os interesses deles também entravam em conflito. No começo da Revolução Cultural, as facções de esquerda eram geralmente mais unidas na luta contra as facções de direita. Com o passar do tempo, essa unidade se foi se quebrando à medida que a esquerda conseguia mais poder. No final, os capitalistas retornaram ao poder e varreram pra longe os últimos maoístas.
Às vezes, os historiadores se referem a toda a década anterior à morte de Mao, de 1966 até 1976, como “Revolução Cultural.” Apesar de várias formas de luta política acontecerem por todo esse período, uma explicação desse tipo é uma distorção grosseira e simplista da era. Mesmo Mao Zedong mudando a própria terminologia, tempos depois, pra sugerir que a Revolução Cultural estava continuando nos anos 1970, muito antes disso o 9º Congresso [do PC Chinês] já tinha declarado seu fim oficial em Abril de 1969. Esse Congresso foi visto na época como representação duma vitória maoísta completa, especialmente uma vitória da esquerda que vivia no Exército e no Partido. Nesse momento, a direita tinha sofrido uma grande supressão na maior parte dos centros de poder. Os excessos esquerdistas se acabaram, os movimentos de massa foram disciplinados e trazidos pro controle da esquerda do exército e da esquerda do Partido. Ações militares, grupos de trabalho de Jang Chunqiao (polícia política) que operavam sob o slogan “Classe Trabalhadora no comando!”, a imposição de Comitês Três-em-Um, o ataque sobre as tropas fictícias de 16 de Maio, a campanha pra limpar os distintivos de hierarquia, a realocação da juventude urbana e dos estudantes pro trabalho rural no campo ou industrial, tudo isso foi pra efetivamente finalizar os movimentos de massa independentes associados com grande parte do caos esquerdista. No entanto, nem mesmo a cronologia oficial do Partido adotada depois do 9º Congresso, que considera que a Revolução Cultural durou de 1965 até 1969, não é a melhor. Ela falha por não incluir a ofensiva da esquerda do Exército que continuou até a morte de Lin Biao, em 1971. Na verdade, é 13 de Setembro de 1971, com a queda de Lin Biao e a perda Maoísta de influência sobre o Exército, o marco mais significativo do fim do progresso Maoísta. Quando a esquerda perdeu os militares, a direita voltou correndo pro poder. Isso porque o Exército de Lin Biao era um tipo de guarda pretoriana que assegurava o espaço por onde outros aspectos da Revolução Cultural poderiam se desenvolver. Os movimentos de massa não poderiam acontecer sem a bolha protetiva fornecida por Lin Biao. O Exército de Lin Biao era também um lugar por onde o Novo Poder (Poder paralelo de Esquerda) poderia crescer, permitindo aos Maoístas burlar os canais revisionistas do Partido. Além disso, era também o centro das maiores ofensivas ideológicas maoístas. A possibilidade de ir adiante no avanço maoísta depois da perda do exército era muito difícil, pra não dizer impossível. O “resto de esquerda”, o taxado “Bando dos Quatro”, seria facilmente deposto em 6 de Outubro de 1976, depois da morte de Mao Zedong em 9 de Setembro de 1976. Até a base de poder deles, a própria milícia deles, em Shangai, se recusou a lutar por eles. Não tinha jeito de o “resto de esquerda” pós-1971 ser capaz de impulsionar outra Revolução Cultural, outro avanço maoísta. Eles simplesmente não tinham apoio de massa ou institucional, ainda mais depois de perder da esquerda do Exército. Então, umas campanhas maoístas foram feitas antes do começo oficial da Revolução Cultural em 1965. Elas também continuaram aparecendo pela China depois do fim do 9º Congresso do Partido em 1969, inclusive depois da perda da esquerda do exército em 1971. Mas, em termos de impulso revolucionário pra frente, o que os maoístas chamam de “Continuação da Revolução sob a Ditadura do Proletariado” tinha acabado, em maior parte, com a queda da esquerda do Exército em 1971. Em nosso curso, chamaremos de “Revolução Cultural” quase exclusivamente o período cronológico adotado pelo 9º Congresso do PC Chinês. Às vezes, estaremos falando de todo o momento do Impulso Maoísta pra Frente, que durou até 1971. Mas quando nos referirmos a toda a década anterior à morte de Mao, que vai de 1966 até 1976, a frase “Década da Revolução Cultural” será usada. É preciso deixar claro em cada contexto sobre quais períodos de tempo exatos estamos falando, pra um melhor estudo da história.
Tiveram dois caminhos principais por onde a Revolução Cultural chinesa pôde avançar. O primeiro foi o dos movimentos de massa maoístas, quase espontâneos, que surgiram em 1966 e seguiram até 1968, perdendo força. Esse avanço maoísta nunca se articulou de verdade em um único programa ou modelo de socialismo. Essa tendência defendia a continuidade da luta dos movimentos de massa em 1967. O slogan de Chen Boda “Apoiar a Esquerda, não as facções” era, de verdade, um chamado pra permitir às lutas faccionistas, às vezes violentas, continuarem. A ideia era a de que o processo pudesse, em algum momento, criar a linha correta, que a “esquerda verdadeira” pudesse, um dia, surgir vitoriosa no meio do caos.
Criticando a espontaneidade e a violência dos movimentos de massa, Mao disse uma vez que ele queria Luta de Classes, não Luta Civil. De vez em quando, uma retórica vazia duma “Comuna da China” lançada contra o modelo de Comitês Três-em-Um que o governo tentava impor. Esses Comitês Três-em-Um eram associados com a esquerda do Partido e da burocracia, Mao e Jang Chunqiao em particular, que tinham tendência a abafar os movimentos de massa. O segundo caminho era o da ala esquerda do Exército, controlada por Lin Biao (na época, Ministro da Defesa). O exército maoísta tentava aplicar uma metodologia mais ordenada sobre a Revolução Cultural, impor o espírito guerrilheiro no meio da sociedade, fazer grandes campanhas ideológicas, encarar a sociedade como uma grande escola maoísta, retornar às campanhas pela coletivização massiva – o “Salto Voador” et cetera. Isso era um tipo de igualitarismo de quartel. Esse caminho teve um desfecho mortal quando Mao Zedong se voltou contra Lin Biao e trouxe de volta a “Corrente Adversa”, velhos burocratas do Partido e comandantes militares que foram depostos por apoiar o capitalismo. A morte de Lin Biao em 1971 e as calúnias contra ele que surgiram daí fecharam esse caminho. As duas vias, e todas as tendências maoístas, partilhavam muito da mesma retórica. Eles usavam símbolos similares e elevavam o culto à personalidade de Mao a níveis religiosos. Tinha muitas coincidências entre todas as tendências maoístas, e até entre linhas de maoísmo e inimigos deles.
Os maoístas dogmáticos de hoje dizem que a Revolução Cultural foi o maior avanço socialista que já aconteceu na história. Em alguns sentidos, isso é verdade. Teoricamente, a análise estrutural e ideológica maoísta era melhor que a dos bolcheviques. Boa parte da prática maoísta era inovadora, mesmo ela falhando em prevenir a Contrarrevolução. Entretanto, com enorme frequência, a retórica maoísta não acompanhava a realidade. Assim como experimentos sociais anteriores, os maoístas também confiavam em métodos policialescos. No final, todos principais líderes da esquerda maoísta, com exceção do próprio Mao, foram difamados por uma versão da história (feita sobre uma) narrativa policial: Wang Li, Guan Feng, Qi Benyu, Chen Boda, Lin Biao, Jiang Qing, Jang Chunqiao, Yao Wenyuan, Wang Hongwen et cetera. A última década da vida de Mao Zedong não foi simplesmente um único período onde os maoístas concentraram o poder chinês em suas mãos, num domínio harmônico; foi um período complexo onde podemos ver a queda de importantes direitistas, revisionistas, capitalistas como Liu Shaoqi, mas também caíram proeminentes maoístas. Muitas boas ideias surgiram durante a Revolução Cultural, ainda que elas geralmente fosse mal aplicadas. Mesmo a China sendo lugar da última grande onda revolucionária, a Ciência Revolucionária e o entendimento sobre (o que é) socialismo e contrarrevolução avançaram muito de lá pra cá. A Ciência Revolucionária mais avançada de hoje, o Comunismo Luz-Guiadora, aprofundou não só nosso entendimento sobre esse período da história revolucionária, mas aprofundou nosso entendimento sobre todos os outros aspectos da revolução. Armados com esse conhecimento, na próxima vez que tomarmos o poder, vamos avançar ainda mais longe no caminho do Comunismo Luz-Guia. O futuro será nosso, se ousarmos cuidar bem de nós mesmos. Nosso Sol está nascendo! Nosso dia está chegando!!!
Grande Salto pra Frente, Economismo, Teoria das Forças Produtivas
As origens da Revolução Cultural são muito complexas. Elas remontam aos conflitos que vieram à tona durante o Grande Salto pra Frente, de 1957 a 1962, e a separação sino-soviética, que aconteceu quase ao mesmo tempo. Os maoístas geralmente viam os problemas econômicos da China como questões muito conectadas com os problemas dentro do “bloco socialista”. Eles identificaram seus oponentes domésticos como representantes das mesmas forças que levaram ao descaminho comunista internacional.
O relacionamento entre a União Soviética e os comunistas chineses sempre foi instável. A Revolução Chinesa passou por várias lideranças no longo caminho da luta por sua liberdade. Os maoístas subiam pra liderança frequentemente em oposição a comunistas mais amigáveis com Moscow. Mas mesmo tendo um relacionamento atritoso com a União Soviética, os maoístas sempre mantiveram a unidade socialista com a liderança soviética e o Movimento Comunista Internacional. Isso tudo estava pra mudar.
Os esforços pela desestalinização na União soviética acabaram atingindo Mao também, que tinha um enorme culto à sua própria personalidade dentro de seu próprio partido. Não há dúvida de que os próprios inimigos de Mao dentro do Partido se sentiram inspirados por aqueles que estavam desmoronando o legado de Stalin. Mao certamente sentiu que os ataques sobre o legado de Stalin eram também direcionados a ele mesmo. As ofensas de Nikita Kruschev a Stalin no 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 25 de Fevereiro de 1956, foram feitas sem consulta prévia dos outros partidos, excluindo até mesmo um partido tão prestigiado na época como o que Mao liderava. Aqueles em Moscow que seriam identificados depois como “revisionistas” por Mao fizeram decisões unilaterais sobre assuntos que importavam a todo o movimento socialista. Os soviéticos unilateralmente restauraram os laços com o Partido de Tito na Yugoslávia, um partido que tinha sido denunciado por Stalin e pelo Movimento Comunista Internacional anos antes. Além disso, os revisionistas estavam mudando sua própria política externa em direção ao Ocidente, outra vez sem consultar “a sólida base dos povos irmãos” (trecho do hino nacional soviético). Os revisionistas menosprezaram a natureza antagonística entre o socialismo e o capitalismo-imperialismo. É por isso que, em vez de ver o mundo pelas lentes da luta de classes, os revisionistas tinham esperança de viver em harmonia com o Mundo capitalista. Essa nova visão era a doutrina da “coexistência pacífica.” A nova visão foi refletida em algumas decisões de política externa que incomodaram os maoístas pelas décadas de 1950 e 1960. Os soviéticos recusaram ajuda aos chineses quando eles se esforçaram pra desenvolver armas nucleares. A militância dos chineses foi um dos motivos da recusa. Além disso, os soviéticos queriam manter o monopólio sobre as armas nucleares dentro do bloco “socialista”, e fizeram isso pra deixar o bloco mais fácil de ser controlado por Moscow. A China também não gostou quando os soviéticos ofereceram apoio moral pra insurreição tibetana apoiada pela américa contra a China. Durante a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, em 1958, os soviéticos tentaram persuadir Mao contra qualquer ação militar. Os soviéticos se recusaram a ficar do lado dos chineses durante a guerra sino-indiana de 1962. Quando os soviéticos derrubaram um avião-espião americano U-2, os revisionistas só pediram desculpas na Conferência de Paris, em 1960. Quando o presidente americano Eisenhower recusou, os revisionistas não responderam. Contrariando tudo isso, os chineses denunciaram o incidente como um insulto a todos os países socialistas. Os chineses organizaram comíssimos massivos em resposta. Quando os soviéticos recuaram durante a crise dos mísseis de Cuba, os maoístas sentiram suas críticas sobre os revisionistas se confirmarem.
À medida que restauravam as relações com a Yugoslávia, os soviéticos entravam em conflito com a linha dura que comandava a Albânia e se recusava a largar o legado de Stalin e suas políticas. Foram coisas assim criaram um novo tipo de imperialismo, centralizado na URSS. Como os impérios ocidentais, Moscow estava agora impondo dependência sobre os países em sua órbita. Os maoístas foram críticos da autoproclamada “Divisão Internacional do Trabalho Socialista” [sic], defendida (e praticada) pelos soviéticos. Esse conceito significava que, em vez de desenvolver economias bem diversificadas, as colônias soviéticas deveriam se dedicar a um ou dois produtos pra serem exportados e coordenados por Moscow. O Rei-Açúcar, por exemplo, comandou Cuba tanto no imperialismo ocidental quanto no social-imperialismo. “Dez anos depois da revolução deles, mesmo os cubanos, cujos líderes revolucionários tinham falado da servidão do açúcar, se encontraram recorrendo à quimera da colheita de dez milhões de toneladas de açúcar.” (1) Mao não foi o único crítico da União Soviética no cenário internacional. Alguns sugerem que Che Guevara e Fidel Castro divergiam sobre essa questão. Há relatos de que Che se opôs à aplicação do modelo revisionista, e sua consequente dependência, em Cuba. Do outro lado do Mundo, na Albânia, Enver Hoxha, por exemplo, ficou ofendido quando Nikita Kruschev propôs transformar a Albânia numa grande plantação de frutas a serviço do Bloco Oriental. O que começou com murmurros acabava se transformando em ataques públicos barulhentos. Nikita Kruschev eventualmente criticava Mao por sua visão doméstica e internacional como sendo “nacionalista, desviacionista e aventureira.” Mao rompeu completamente com os soviéticos denunciando eles como “revisionistas” e “social-imperialistas.” (2) Por fim, nos anos 1970, Mao foi tão longe que rotulou os soviéticos de “fascistas” e justificou sua própria versão de coexistência pacífica e cooperação com o Ocidente. Contudo, até esse ponto, a política maoísta dos anos 1960 que estava em alta era a de se opor tanto aos imperialistas do Ocidente como os soviéticos.
Mao também começou a criticar as políticas internas da União Soviética sob o governo Kruschev. A energia revolucionária dentro da sociedade soviética tinha se dissipado. A burocracia tomou o lugar da Revolução. Mao tinha esperança de evitar esse destino pra Revolução Chinesa. Mao promoveu uma revolução mais enérgica, baseada nas massas, que não imitasse o enfoque soviético de cima pra baixo. Mao procurou uma maneira nova, criativa, que evitasse a degeneração vivida pelos soviéticos. Apesar de que, no começo Grande Salto pra Frente, Mao não tivesse rompido totalmente com os soviéticos, o início da separação era aparente. Mesmo Mao ainda reconhecendo formalmente o papel dos soviéticos na liderança do Movimento Comunista Internacional, ele aumentou o volume de suas críticas, às vezes escondidas em comentários vagos. (3) Uma crítica maoísta completa e coerente sobre o revisionismo soviético ainda não estava desenvolvida. De maneira similar, Mao nem sempre diferenciava completamente ele mesmo dos revisionistas chineses. Naquele tempo, o que foi identificado depois pelos maoístas como “Teoria das Forças Produtivas”, dos revisionistas, era compartilhado pelos mais variados tipos de ativistas políticos chineses, tanto maoístas como os opositores deles. À medida que a luta de classes seguia adiante pelas décadas seguintes, os maoístas se aproximavam de uma ruptura cada vez mais completa com os revisionistas. Os maoístas foram ainda mais longe com a Ciência Revolucionária, dizendo ter atingido um completo “novo nível,” através da luta da classes e da experiência do Grande Salto e da Rebvolução Cultural. No entanto, em 1957, no começo do Grande Salto, o erro do economismo, o erro de superestimar o papel do avanço tecnológico na criação da revolução, a Teoria das Forças Produtivas, puderam ser vistos nas palavras de Mao e seus competidores ideológicos na União Soviética e na China. Por exemplo, tanto soviéticos como chineses enfatizaram a necessidade de enfrentar o ocidente com tecnologia pra conquistar a vitória socialista. Em maio de 1957, Kruschev anunciou que em pouco tempo a União Soviética se igualaria aos Estados Unidos em produção per-capita de carne, leite e manteiga. Pra não ficar pra trás, Mao respondeu dizendo que a China iria ultrapassar a Grã-Bretânia, que na época tinha o maior poder industrial.
“Stalin” significa ‘homem de aço.’ Alexei Gastev, um poeta soviético, escreveu “nós crescemos do ferro.” O aço foi uma parte importante da visão de mundo bolchevique, pra quem o socialismo era um tipo de máquina. Mao herdou essa visão, em certa medida. (4) Pra Mao, durante o Grande Salto, a produção de aço serviria como um indicador do progresso da produção socialista como um todo.
“Neste ano, nosso país tem 5.2 milhões de toneladas de aço, e depois de cinco anos, nós poderemos ter de 10 a 15 milhões de toneladas; mais cinco anos adiante, 20 a 25 milhões de toneladas, e mais cinco anos ainda nós vamos ter de 30 a 40 milhões de toneladas. Talvez eu esteja me gabando aqui, e talvez nós poderemos ter outro encontro internacional em [um futuro onde] vocês vão me criticar por ser tão subjetivo, mas eu falo com a força de evidências consideráveis… O Camarada Kruschev nos diz que a União Soviética passará dos Estados Unidos em cinco anos. Eu posso dizer a vocês que em cinco anos nós poderemos muito bem atingir ou ultrapassar a Grã-Bretânia.” (5)
Essa supervalorização da economia e da tecnologia na Teoria das Forças Produtivas foi vista no famoso “Debate da Cozinha” de 24 de Julho de 1959, entre Kruschev e Richard Nixon, que na época era vice-presidente. Esse debate foi uma série de troca de improvisos entre os dois homens na Exibição Nacional Americana, que aconteceu no Parque Sokolniki. Esse debate focava no número de itens domésticos e recreativos ordinários. Nixon insinuava que o sistema que fosse capaz de dar a melhor cozinha aos seus cidadãos comuns era superior. Kruschev mordeu a isca:
“Os americanos criaram a própria imagem deles sobre o homem soviético e pensam que ele é como você quer que ele seja. Mas ele não é como você pensa. Você pensa que o povo russo ficaria impressionado em ver essas coisas, mas o fato é que as casas russas recém-construídas têm todo esse equipamento agora.” (6)
Esse pequeno trecho não abrange tudo que foi dito. Entretanto, a resposta soviética mostra falhas no pensamento deles. A meta socialista não tem que ser a de atingir os padrões ocidentais em termos de entregar um modo de vida imperialista aos seus cidadãos, com todo o consumismo e conforto envolvido nele. O padrão de vida dos Estados Unidos tem fundamento em centenas de anos de exploração viciada e opressão. Tem fundamento em centenas de anos de genocídio do povo indígena, extermínio e detenção de suas comunidades, roubo da terra deles e de outros recursos. Tem fundamento na morte de milhões de africanos e no trabalho forçado de outros milhões, além do trabalho forçado de suas crianças. Tem fundamento na pilhagem e na exploração de Bilhões de pessoas no Terceiro Mundo por décadas. Tem fundamento na exploração e pilhagem do próprio planeta Terra, que esmaga o mundo natural pra alimentar uma fome consumista sem fim. Não é preciso pensar muito pra concluir que atingir esse tipo de utopia consumista é questão só de conseguir forças produtivas, tecnologia, pra chegar lá. Socialismo não é competir com o mundo burguês pelos padrões do mundo burguês. O Socialismo não aceita como Metas pro Sucesso as mesmas que os capitalistas usam. A Teoria das Forças Produtivas tem uma ligação íntima com a rejeição aberta ao socialismo. Por fim, é importante dizer que o Socialismo, de verdade, está sempre reduzindo sua capacidade de dar ao cidadão comum aquilo que os capitalistas entendem como ‘prosperidade’ e ‘sucesso.’ O capitalismo funciona melhor no capitalismo que no socialismo. A tecnologia não vai construir o socialismo e o comunismo sozinha, nem é fundamental pro sucesso da revolução. Mao herdou um pouco da tradição soviética impregnada com a Teoria das Forças Produtivas, mas ao mesmo tempo os maoístas começaram a romper com ela de várias maneiras importantes.
Escrito pelo Comandante Luz-Gu
ia Campo Flamejante.
Traduzido pro português por Rivaldo Cardoso Melo.
Notas:
1. Hayter, Teresa. The Creation of World Poverty. Third World First. Great Britain: 1990. . p. 67 (Hayter, Teresa. A criação da Pobreza Mundial. Terceiro Mundo primeiro. Grã-Bretânia: 1990. p. 67)
2. “Sino-Soviet Split” Wikipidia. http://en.wikipedia.org/wiki/Sino-Soviet_split (“Separação Sino-Soviética”, Wikipédia em inglês, que costuma ter mais informações que qualquer outro idioma)
3. Dikotter, Fran. Mao’s Great Famine. Walker Publishing Company, Inc. New York: 2010. p. 12 (Dikotter, Fran. Grande Fome de Mao. Compania Publicitária Walker. Nova Iorque: 2010. p. 12)
4. ibid. p. 57
5. ibid. p. 14
6. “Nixon and Khrushchev Argue In Public As U.S. Exhibit Opens; Accuse Each Other Of Threats,” NY TIMES. July 14, 1959 (“Nixon e Kruschev argumentam em público quanto Exibição Americana abre; Acusam um ao outro de ameaças,” New York Times, 14 de Julho de 1959) http://www.nytimes.com/learning/general/onthisday/big/0724.html