O Calor Vai Matar Você Primeiro – Resumo do Livro

Janelle Velina
17 de novembro de 2024
portugues.LLCO.org

Não devemos, no entanto, nos iludir demais a respeito da nossa conquista humana sobre a natureza. Pois cada uma dessas conquistas se vinga de nós. Cada uma delas, é verdade, tem em primeiro lugar as consequências que esperávamos, mas em segundo e terceiro lugares, ela tem efeitos bem diferentes e imprevistos que muitas vezes anulam os primeiros. As pessoas que, na Mesopotâmia, Grécia, Ásia Menor e em outros lugares, destruíram as florestas para obter terras cultiváveis, nunca imaginaram que estavam lançando as bases para a atual condição devastada desses países, ao remover, junto com as florestas, os centros de coleta e reservatórios de umidade. Quando, nas encostas sul das montanhas, os italianos dos Alpes esgotaram as florestas de pinheiros tão cuidadosamente cultivadas nas encostas norte, não tinham ideia de que, ao fazerem isso, estavam cortando as raízes da indústria láctea em sua região; ainda menos sabiam que estavam, assim, privando suas fontes de água nas montanhas durante a maior parte do ano, com o efeito de que essas fontes poderiam despejar ainda mais torrentes furiosas nas planícies durante as estações chuvosas. Aqueles que espalharam a batata na Europa não sabiam que estavam ao mesmo tempo espalhando a doença da escrofula. Assim, a cada passo somos lembrados de que não dominamos a natureza como um conquistador sobre um povo estrangeiro, como alguém que está fora da natureza – mas que nós, com carne, sangue e cérebro, pertencemos à natureza, existimos no seu meio, e que toda a nossa maestria sobre ela consiste no fato de que temos a vantagem sobre todos os outros seres de sermos capazes de conhecer e aplicar corretamente suas leis.

(Engels, 1883, Dialética da Natureza, cap. 9)

O Calor Vai Matar Você Primeiro: Vida e Morte em um Planeta Escaldante é um livro de não-ficção escrito pelo jornalista e autor Jeff Goodell, publicado em julho de 2023. O livro aborda como as mudanças climáticas estão transformando rapidamente nosso planeta de maneira extrema e examina essa crise contínua utilizando as ondas de calor como um grande estudo de caso coeso. Além de demonstrar – citando o trabalho de cientistas climáticos – como as mudanças climáticas estão refletidas mais fortemente nas ondas de calor, o objetivo do autor é convencer os leitores a pensar de maneira diferente sobre o calor, ver mais claramente os impactos sociais do problema ambiental que ele representa e considerar por que não devemos subestimar sua letalidade. Goodell busca transmitir as consequências de ter temperaturas subindo “demais, muito rápido…” (p. 20) e como esse calor extremo, impulsionado pelas mudanças climáticas, tornará nosso planeta inabitável. Assim, seu argumento central é que as mudanças climáticas estão tornando as ondas de calor mais intensas, mais frequentes e mais mortais, e devem ser vistas, portanto, como uma força de extinção a longo prazo. Com isso em mente, as conclusões principais deste livro são que tudo na Terra – toda a vida, e até mesmo coisas que não estão vivas, como nossos telefones e linhas de energia – tem um limite de temperatura; e que não estamos muito longe de outro evento de extinção em massa do qual a Terra pode levar muitos anos para se recuperar, se conseguir sobreviver a ele.

Os Fatos Científicos

Para alcançar seu objetivo, Goodell combina explicações científicas fáceis de entender, jornalismo literário e comentários sociais para ajudar a ilustrar e apoiar seus argumentos. Estes variam desde resumir notícias reais sobre mortes relacionadas ao calor até pesquisas antropológicas e paleoantropológicas, além de descobertas da climatologia. O Capítulo 2, em particular, discute a evolução humana e animal, bem como a formação e evolução geológica da Terra, em relação a como as espécies evoluíram e se adaptaram para poder autorregular as temperaturas corporais e suportar e sobreviver às temperaturas de seus ambientes. No entanto, Goodell aponta que há uma diferença significativa entre evolução e mudanças climáticas: enquanto a primeira é um processo gradual de mudança, a segunda está acontecendo rápido demais para que a seleção evolutiva consiga acompanhar.

Além disso, o autor discute um evento catastrófico de clima de 2013, comumente referido como ‘o Blob’ (pp. 144-146), e usa-o como exemplo para explicar que as ondas de calor não são apenas um evento terrestre, mas estão ligadas ao aquecimento dos oceanos também. Toda a vida na Terra está conectada aos nossos oceanos, e o que acontece neles pode ter um grande impacto no futuro do nosso planeta. No final deste capítulo, ele faz questão de reforçar que os combustíveis fósseis e as emissões de CO² são grandes problemas porque estão mudando drasticamente a química das estruturas naturais e biomas da Terra, incluindo os recifes de corais; e que as mudanças rápidas estão ocorrendo a um ritmo que os seres vivos não conseguem acompanhar nem se adaptar adequadamente. Dois capítulos depois, no Capítulo 9 – talvez apropriadamente intitulado “Gelo no Fim do Mundo” – Goodell reforça a ideia de que as ondas de calor estão ligadas ao aquecimento dos oceanos e por que isso é uma grande preocupação que deveria acender alertas. Vale ressaltar que o Capítulo 9 é formatado como uma série de entradas de um diário, onde ele apresenta suas observações e recordações (com comentários adicionais e explicações científicas resumidas) de uma expedição de pesquisa na Antártida, em 2019, com uma equipe de cientistas climáticos. Mais importante ainda, este capítulo examina a desglaciação da Antártida Ocidental, em particular a geleira Thwaites, onde o aquecimento das correntes oceânicas está passando por debaixo dessas geleiras, afinando suas camadas de gelo e plataformas. Quando essas camadas de gelo e geleiras derreterem, o aumento do nível do mar será catastrófico e poderá atingir duzentos pés! O capítulo termina com uma citação de um dos pesquisadores que ele entrevistou durante a viagem, para dar uma perspectiva ao leitor onde uma simples paráfrase não seria suficiente: “Ver essa geleira faz você perceber que coisas que você acha que sempre estarão lá podem não estar. Isso é algo pertubador,” (p. 196).

Seguindo na linha do aquecimento dos oceanos, o Capítulo 14, “O Urso Branco”, refere-se obviamente aos ursos polares. Goodell reforça a discussão sobre as mudanças climáticas em torno dos ursos polares, mas redireciona o leitor a vê-los além de simples “mascotes fofos e adoráveis” que provocam reações emocionais comoventes, para evitar o clichê. Ele faz isso contextualizando o sofrimento e as dificuldades desses predadores do topo em perigo de extinção, discutindo o significado do aquecimento do Ártico, seu habitat natural. Para reforçar o ponto sobre como o calor, impulsionado pelas mudanças climáticas, está rapidamente transformando nosso planeta, Goodell lembra aos leitores que o derretimento do gelo do Ártico e do permafrost não é apenas um símbolo das mudanças climáticas, mas tem consequências que afetarão o planeta inteiro:

Um Ártico mais quente altera o equilíbrio termodinâmico da atmosfera da Terra, mudando os gradientes de pressão que criam as ondas de calor e alterando os padrões de precipitação, especialmente na Europa e Ásia, o que terá grandes implicações para a produção de alimentos. O derretimento rápido das camadas de gelo no Ártico também acelera o aumento do nível do mar, inundando cidades costeiras ao redor do mundo, deixando imóveis no valor de bilhões de dólares submersos e forçando dezenas de milhões de pessoas a se mover para terrenos mais altos. […] …Um Ártico mais quente também está acelerando o derretimento do permafrost, liberando grandes quantidades de metano, um gás de efeito estufa que é 25 vezes mais potente que o CO2. Mais metano significa mais aquecimento, o que liberará ainda mais metano – quando os cientistas falam sobre uma iminente catástrofe climática, este é um dos cenários que mais os preocupa. E não é só metano e ossos de mamutes que estão aprisionados no permafrost do Ártico – também existem vírus e patógenos de uma época anterior, que, como mencionei em um capítulo anterior, quando descongelados e liberados em nosso mundo, poderiam desencadear uma pandemia global… (pp. 293-294)

Com esses fatos científicos sobre as formas preocupantes com que nosso planeta está mudando em mente, pode-se perguntar: como isso impacta os interesses de classe das massas proletárias globalmente? Por que essas descobertas deveriam preocupar marxistas e movimentos trabalhistas? Como isso se conecta à luta global da classe trabalhadora?

Calor e Assassinato Social

Para começar, o autor explora a relação entre as mudanças climáticas e as doenças infecciosas – incluindo a COVID-19, que, além de ceifar tantas vidas, afetou terrivelmente as classes pobres e trabalhadoras pelo Mundo – no capítulo 10, afirmando: “Quanto mais contato esses morcegos têm com outros animais, assim como com as pessoas, mais oportunidades os vírus que eles carregam têm de se espalhar,” (p. 206). Os morcegos são capazes de hospedar tantos vírus mortais porque seus sistemas imunológicos são adaptados para tolerar infecções, permitindo-lhes hospedar esses vírus sem adoecer. Além disso, vivem em média até quarenta anos e são altamente móveis, o que o autor destaca como importante, pois à medida que o clima da Terra continua a esquentar, eles podem se deslocar facilmente e ainda com mais frequência, à medida que são forçados a fazê-lo. As mudanças climáticas estão impactando suas fontes de alimento e o ambiente, o que causa mais estresse fisiológico e os coloca em contato mais frequente com humanos (bem como com o gado e outros animais), o que significa mais oportunidades para diversos vírus se espalharem. Citando a epidemiologista Raina Plowright: “…quanto mais rápido o clima muda, maior o risco,” (p. 206), o que deve ser visto como uma ameaça, potencializada pelos interesses capitalistas de lucro, ao bem-estar coletivo e às condições de vida da classe trabalhadora pelo Mundo.

Em relação a isso, Goodell discute os impactos do calor na saúde e segurança dos trabalhadores em um capítulo intitulado “A Economia do Suor”. Para qualquer marxista que decida ler este livro, o capítulo é reminiscentemente do que Engels chama de ‘Assassinato Social’ em sua obra A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, que é a prática sistêmica de “colocar os trabalhadores sob condições nas quais eles não podem manter sua saúde nem viver por muito tempo; que destrói gradualmente a força vital desses trabalhadores, pouco a pouco, e assim os apressa para a cova antes do tempo.” O autor já declarou no prólogo do livro que a maioria das pessoas pobres e da classe trabalhadora simplesmente não tem o luxo de ter abrigos subterrâneos ou de poder se mudar tantas vezes quanto necessário para casas mais frescas. E quando os pobres do Sul Global fogem de seus países como refugiados climáticos, são fatores econômicos que os forçam a fazer isso, como a queda na produtividade alimentar devido às mudanças climáticas, o que remete às palavras de Marx:

Por outro lado, a grande propriedade fundiária reduz a população agrícola a um mínimo constantemente decrescente e a confronta com uma população industrial em constante crescimento, aglomerada nas grandes cidades. Ela cria, assim, condições que causam uma ruptura irreparável na coesão da troca social prescrita pelas leis naturais da vida. Como resultado, a vitalidade do solo é desperdiçada, e essa capacidade produtiva [forçada] é levada pelo comércio para além das fronteiras de um determinado Estado…


(1894, O Capital, Vol. 3, pt. 5, cap. 47).

Mas este capítulo mostra uma compreensão mais profunda de que a classe realmente desempenha um grande papel nas mudanças climáticas, pois são frequentemente as massas trabalhadoras que carregam o peso disso – seja trabalhando ao ar livre sob calor extremo como trabalhador rural, indo e voltando de uma van mal refrigerada como trabalhador dos correios durante o verão, ou trabalhando em um armazém mal ventilado onde quase não há ar condicionado. Goodell vai ainda mais longe ao desmentir a suposição de que mexicanos e outras pessoas racializadas de regiões geográficas mais quentes ou que têm pele mais escura podem suportar melhor o calor e a exposição prolongada ao sol do que os brancos – uma suposição, como ele discute, que continua a persistir e tem sido usada para justificar a exploração de trabalhadores migrantes que, em sua maioria, desempenham trabalhos fisicamente extenuantes ao ar livre (particularmente trabalhos que muitas pessoas não querem fazer, e onde os capitalistas não querem quase nenhuma regulamentação estatal ou resistência sindical). Ele deixa claro que pessoas com pele mais escura ainda podem sofrer danos na pele, ter câncer de pele, sofrer de insolação ou morrer de exaustão pelo calor, ao cobrir casos de trabalhadores migrantes do México nos Estados Unidos que enfrentam esses perigos – que são agravados pelo fato de que eles têm ainda menos proteções trabalhistas e são pagos abaixo do salário mínimo. Ele aponta que esse mito e construção racista em torno de certas etnias ou da pele mais escura em relação à exposição solar tem raízes no comércio transatlântico de escravos e foi uma das várias justificativas usadas para legitimar o trabalho escravo historicamente. Para completar, ele também desmente uma representação comum de Hollywood de que o México é um deserto monolítico e extremamente quente, afirmando que, na realidade, o país possui uma grande diversidade de ecossistemas; e, ao mesmo tempo, ainda sente os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento de temperaturas excessivas, como muitos outros lugares. Portanto, uma outra lição desse trecho é que é fácil tanto negligenciar quanto ignorar o fato de que as mudanças climáticas e o calor extremo gerado pelas mudanças climáticas afetam as pessoas independentemente da raça, não apenas os brancos europeus ou norte-americanos, e que o racismo ambiental, enraizado no colonialismo e no imperialismo, realmente existe e se manifesta de forma clara na exploração moderna do trabalho migrante.

Mais adiante, em outro capítulo (Cap. 12, “O que Você Não Pode Ver Não Vai Te Machucar”), ele enfatiza que o calor extremo não é algo que as massas trabalhadoras ao redor do mundo trouxeram para si mesmas, porque elas são muito mais propensas a sofrer enquanto os ricos poluem. E que, em termos per capita, as massas no Sul Global geralmente são responsáveis por menos de um quinze avos da quantidade de CO2 gerada pelos mais ricos americanos. Como exemplo, Goodell aponta que o Paquistão produz cerca de meio por cento das emissões de CO2 do mundo. Assim, é revigorante ver que o autor não está promovendo os habituais discursos individualistas e consumistas “verdes”, nem as narrativas neo-malthusianas frequentemente promovidas pela mídia tradicional. Também é refrescante ver que suas explicações não dependem excessivamente ou exclusivamente da crítica aos hábitos consumistas individuais, mas em vez disso examina a crise climática de um nível sistêmico mais amplo.

Soluções de ‘Band-Aid’ e o Paradoxo do “Eco-Capitalismo”

Outra ideia refrescante que Goodell apresenta aos leitores é encontrada no Cap. 11, “Ar Frio Barato”, que nos desafia a pensar de forma diferente e mais crítica sobre o legado do ar condicionado, um negócio lucrativo e uma solução paliativa popular que “…permitiu o boom da construção não apenas no Texas, mas em todo o Sul. Adeus grandes varandas e ventilação cruzada. Olá desenvolvimento suburbano produzido em massa com construção barata, tetos baixos e sem fluxo de ar,” (p. 224). Ele elabora ainda mais sobre as desvantagens específicas do ar condicionado:

O aumento do ar condicionado acelerou a construção de caixas seladas, onde o único fluxo de ar do edifício é através dos dutos filtrados da unidade de ar condicionado. Não precisa ser assim. Olhe para qualquer edifício antigo em um clima quente, seja na Sicília, em Marrakesh ou em Teerã. Os arquitetos entendiam a importância da sombra, do fluxo de ar, do isolamento, das cores claras. Eles orientavam os edifícios para capturar as brisas frescas e desviar o calor do pior da tarde. Eles construíam com paredes grossas e telhados brancos e barras de ventilação sobre portas para incentivar o fluxo de ar. Quem já passou alguns minutos em um adobe em Tucson, ou andou pelas ruas estreitas de Sevilha, sabe como esses métodos de construção funcionam bem. Mas toda essa sabedoria sobre como lidar com o calor, acumulada ao longo de séculos de experiência prática, é muitas vezes ignorada. Nesse sentido, o ar condicionado não é apenas uma tecnologia de conforto pessoal; também é uma tecnologia do esquecimento. (p. 235)

Sem dúvida, o ar condicionado tem um legado muito complicado, para dizer o mínimo. Claro, ninguém deveria sofrer com o calor em suas próprias casas, e o autor certamente não está dizendo que as pessoas precisam desligar seus aparelhos de ar condicionado imediatamente; mas é evidente que, com o advento do ar condicionado, os especuladores imobiliários aproveitaram essa oportunidade para cortar custos no design dos edifícios. Ao relatar a história dos condicionadores de ar neste capítulo, ele destaca os processos energéticos usados para os aparelhos, especificamente dois compostos: os clorofluorcarbonos (CFCs) e os hidrofluorcarbonos (HFCs). Os CFCs – produtos químicos usados como refrigerantes – eram usados na maioria, senão todos, os condicionadores de ar, freezers, geladeiras e latas de aerossol. Mas, em 1974, um grupo de cientistas publicou uma pesquisa que sugeria que os CFCs poderiam destruir a camada de ozônio da Terra, que protege contra os efeitos danosos do Sol. Em 1985, foi encontrado um buraco na atmosfera sobre a Antártida, o que levou a protestos públicos e ao tratado internacional de 1987, o Protocolo de Montreal, para reduzir os CFCs pela metade.

Os CFCs (clorofluorocarbonos) agora são proibidos em 197 países, e a camada de ozônio se recuperou lentamente. No entanto, os CFCs foram substituídos pelos HFCs (hidrofluorocarbonos), que contêm carbono, hidrogênio e flúor. Eles não destroem a camada de ozônio, mas são gases de efeito estufa até 15 vezes mais potentes que o CO2. Os condicionadores de ar não queimam os HFCs, mas o problema surge quando o gás frequentemente vaza durante reparos ou descarte, ou quando os tubos das unidades ficam velhos e começam a vazar. Os HFCs estão sendo eliminados nos próximos decênios, mas os condicionadores de ar que ainda os contêm vão continuar a existir por muito tempo. Muitos condicionadores de ar também consomem uma grande quantidade de eletricidade – cerca de 20% da eletricidade usada em edifícios globalmente – o que contribui com uma quantidade significativa de poluição por gases de efeito estufa. Com o planeta esquentando, fica mais necessário aumentar o uso do ar-condicionado, o que significa mais eletricidade sendo consumida. E como parte dessa eletricidade é gerada por combustíveis fósseis, isso resulta em mais poluição por gases de efeito estufa, agravando o aquecimento do clima. Isso é ainda pior em bairros mais antigos e pobres, com condicionadores de ar de janela ineficientes, que se projetam para fora de muitos edifícios e retiram o calor de dentro, expelindo-o para a rua. A dependência global do ar-condicionado é tão grande que a maioria das pessoas não pensa muito nisso, a ponto de o risco de quedas de energia (brownouts) ou apagões surgir com ele, devido à tendência de aumentar a intensidade do ar-condicionado durante ondas de calor – e uma grande falha de energia pode causar muitas mortes, especialmente entre os pobres e os mais vulneráveis. A crítica de Goodell ao ar-condicionado pode parecer dura para alguns, mas é muito necessária, e certamente pode ajudar a informar a construção de habitação verdadeiramente sustentável e sem fins lucrativos em um futuro socialista. Ele constantemente evita colocar a culpa exclusivamente no indivíduo, e isso fica claro quando ele demonstra como as decisões capitalistas de busca de lucro em relação à habitação e à indústria de ar-condicionado nos condicionaram a depender tanto dos aparelhos de ar-condicionado, a ponto de essa dependência se tornar quase como um vício.

Essa “dependência global do ‘ar frio barato,’” como Goodell chama, deve ser levada em consideração ao ler o Capítulo 13, “Assar, Fugir ou Agir”, onde ele resume as mortes horríveis que ocorreram durante a onda de calor de 9 dias em agosto de 2003 em Paris, França. Os icônicos telhados de zinco das antigas construções da cidade, construídas no século XIX, embora esteticamente agradáveis para muitos, claramente não foram feitos para suportar esta nova época de calor extremo. “Como toda outra cidade do mundo, Paris foi construída por pessoas que acreditavam que o clima da Terra era estável,” escreve Goodell (p. 263). Esses edifícios, além de serem mal ventilados e mal isolados, tornaram-se ainda mais mortais devido aos telhados de zinco, que essencialmente conduziam o calor como fornos e literalmente “cozinhavam” muitos moradores – particularmente aqueles que viviam no último andar – até a morte. Novamente, ele aponta que as casas podem ser construídas ou adaptadas de forma que não precisem de resfriamento artificial e possam suportar o calor (e o frio) de forma sustentável. Mas, no caso de Paris e de muitas cidades com estruturas históricas icônicas, a adaptação – que inclui grandes projetos de obras públicas para tornar as cidades mais verdes – é um desafio, principalmente devido aos custos, manutenção, preocupações com a integridade estrutural e a resistência dos preservacionistas históricos. Além do dilema sobre o que fazer com os telhados de zinco em Paris, ele também aponta a prática do plantio em massa de árvores, que enfrenta desafios semelhantes. Plantar árvores, embora facilmente aceitável e louvável – além de ser bom para tirar fotos de políticos, como Goodell logo observa – nem sempre será eficaz, porque trata-se de saber quais árvores são adequadas para certos ambientes e quais conseguem lidar com temperaturas flutuantes. Também há a questão de cuidar delas, especialmente as que exigem mais manutenção. Mas, ainda mais importante, Goodell explica que o plantio de árvores e o planejamento de áreas verdes urbanas, em geral, são paradoxais na sociedade atual, pois dão a impressão de que podemos criar natureza ou substituir ecossistemas que foram destruídos, apontando para Cingapura – e seu grande planejamento de espaços verdes que a faz parecer uma selva – como exemplo:

“Todo o verde certamente ajuda Cingapura a se manter fresca para as pessoas que lá vivem. Mas é difícil argumentar que cidades como Cingapura, que têm uma grande pegada ecológica devido às suas refinarias de petróleo e cadeias de suprimento que se estendem por todo o mundo, realmente contribuem para o resfriamento do planeta. ‘Cingapura pode se tornar um jardim porque a fazenda e a mina estão sempre em algum outro lugar,’ escreve Richard Weller, professor de arquitetura paisagística na Universidade da Pensilvânia. ‘Eu chamaria Cingapura de biodiversidade de luxo, uma distração do fato de que financiam plantações de óleo de palma em Kalimantan, as últimas grandes florestas tropicais do mundo.'” (p. 280)

O autor não menciona, no entanto, o fato de que a maioria, senão todos os níveis de governo, na verdade, não está disposta a colocar muito esforço nesses projetos ambiciosos, apesar das boas intenções de arquitetos e urbanistas ambientalmente conscientes, fundamentalmente por causa do motivo do lucro e dos capitalistas que servem. Na melhor das hipóteses, eles tomarão medidas meia-boca que atendem ao mínimo necessário quando se trata de enfrentar a mudança climática, se não estiverem simplesmente negando a realidade disso. Ele concorda que é necessária uma ação política, e que o status quo atual não é uma opção viável para o longo prazo em um planeta que está se aquecendo rapidamente; e ainda assim não nomeia explicitamente o ‘capitalismo’ ou os ‘capitalistas’. É uma pena, porque ao longo do livro podemos ver por que o “eco-capitalismo” é um paradoxo [sentido que se opõe a si mesmo].

Conclusão

Eu recomendaria fortemente que marxistas adicionem este livro às suas listas de leitura e o usem como um recurso literário para ajudar a educar os outros. Claro, há a ressalva de que o próprio autor, infelizmente, não é marxista e, embora tenha chegado muito perto, ele não nomeou explicitamente o capitalismo como o sistema que acelerou em grande parte a crise climática. Embora seja louvável que ele examine a crise da mudança climática como um problema sistêmico, em vez de colocar a responsabilidade no indivíduo, é uma oportunidade perdida que o capital não seja nomeado como uma causa fundamental. E assim, os marxistas não devem esperar ver nenhum apelo para uma revolução socialista neste livro. No entanto, apesar dessa falha, o livro ainda é amplamente bem-sucedido em atingir seu objetivo. Os Marxistas, em particular, devemos usar este livro como uma das muitas oportunidades educativas para mostrar como os abusos sociais, desde a guerra, a dominação burguesa do processo político, a mudança climática e as pandemias, são consequências inevitáveis do capitalismo; mostrando ainda como o capitalismo é hostil aos interesses da maioria e como ele impede a implementação de soluções eficazes para problemas significativos. Mais especificamente, os conceitos deste livro também devem servir como um lembrete para nós Marxistas de que um dos desafios que provavelmente enfrentaremos durante a fase de transição ao Socialismo será a destruição ambiental remanescente do capitalismo, que exigirá um imenso esforço para ser combatida. O paradoxo do “eco-capitalismo” no contexto das ondas de calor nos lembra que o capitalismo é a causa raiz de muitos problemas que tornam a sobrevivência da humanidade na Terra cada vez mais difícil. Embora os países mais pobres já estejam sofrendo muito hoje, os países mais ricos podem se dar ao luxo de tornar as catástrofes climáticas menos visíveis por enquanto, como se vê nos exemplos da indústria de ar-condicionado e do elaborado planejamento de espaços verdes de Cingapura. Mas esses problemas não podem permanecer “fora de vista, fora da mente” por muito tempo. A OCLG sempre esteve na posição de que a proteção ecológica e o combate à mudança climática são essenciais à libertação dos trabalhadores e dos povos oprimidos ao redor do mundo! Portanto, é importante lembrar mais uma vez que lutar contra a mudança climática sob a bandeira do Comunismo da Luz-Guiadora e com a orientação da Ciência Revolucionária Marxista, empenhada em acabar com o capitalismo, é o caminho que pode salvar a humanidade da próxima extinção em massa!

Imagem em destaque no topo: NASA. A triptica dos Efeitos da Mudança Climática. 2024. Esquerda – Mike McMillan/USFS, centro – Tomas Castelazo / Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0, direita – NASA.

Leave a Reply