Entendendo o Revisionismo soviético

Entendendo o Revisionismo soviético

Klaus Markstein
Janosik
20 de Fevereiro de 2023
portugues.LLCO.org

Índice

Introdução

1 Definições

2 Conflitos de Mudanças Sociais

3 Análise Econômica

3.1 Distribuição da Riqueza

3.2 Investimento Estatal

3.3 Exploração

3.4 O Mercado Negro

3.5 Um Tipo Novo De Capitalismo?

4 Análise Política

4.1 O Partido Comunista

4.2 Sindicatos

4.3 Democracia Soviética

5 Relações com Outros Países

5.1 Relações Econômicas

5.1.1 Com Países Socialistas

5.1.2 Com Países Não-Socialistas

5.2 Relações Políticas

5.2.1 Alemanha Oriental 1953

5.2.2 Hungria 1956

5.2.3 Tchecoslováquia

5.2.4 Afeganistão 1979

5.2.5 Polônia 1981

6 Análise Conflitual da Sociedade Soviética

7 Conclusões Teóricas e Observação

Referências Bibliográficas

Introdução

A morte de Stalin foi um momento crucial na história do movimento socialista global – não porque a liderança dele fosse insubstituível, mas porque a influência dos seus sucessores dividiu o mundo socialista em dois lados opostos. Um lado, representado antes pelos Maoistas chineses, naquela época, afirmando que Kruschev e Brejnev acabariam restaurando o capitalismo no União Soviética, e que ela tinha se tornado uma potência social-imperialista que explorava outras nações (chamamos toma essa posição de Restauracionistas). Do outro lado, estava quem dizia que a União Soviética permaneceu socialista até sua dissolução em 1991. Mais de 60 anos depois da separação Sino soviética, a pergunta ‘Teria a União Soviética se tornado um Capitalismo de Estado depois de Stalin?’ ainda consegue dividir forças comunistas ao redor do mundo. Até mesmo a OCLG mantinha uma posição clara contra a “Nova Classe Capitalista” da União Soviética. 1

O fato que esta pergunta ainda esteja sendo discutida entre Marxistas-leninistas é um pouco embaraçoso já que hoje nós temos acesso a uma gama extensiva de ferramentas que não estavam disponíveis a muitos comunistas durante os anos 1960 até os anos 1990. Em particular, certos aspectos de nossa era urgem reavaliar esta pergunta e tentar resolver isto de uma vez por todas. Nominalmente, estes são: o corpo enorme de literatura e pesquisa publicados em mais de 60 anos desde a separação Sino-soviética; a habilidade para acessar fácil e revisar fontes e dados usando a Internet; e a abertura gradual de arquivos soviéticos.

Muitas publicações sobre a União Soviética depois de Stalin são de longe trabalhos isolados porque eles freqüentemente não relacionavam a um ao outro. Por exemplo, um das publicações mais extensas a favor do argumento Restorationista, A Restauração de Capitalismo no União Soviética por Willi Dickhut comunista alemão, quase nunca é mencionado em publicações dos EUA. Igualmente, trabalho também pretende superar estas barreiras, e nutrir diálogo científico internacional.

Nossa pesquisa tem base nos amplos consensos entre Marxista-Leninistas de que a União Soviética com Stalin era socialista. Tradicionalmente, nem mesmo Trotskistas a chamariam de capitalista. Trotsky criticou o Stalin por estabelecer uma “burocracia” e o “estado de trabalhadores degenerado”; mas decididamente não chamou isto capitalismo de estado. 2 Nós examinaremos se Kruschev e Brejnev realmente introduziram reformas capazes de transformar a economia socialista em um Capitalismo de Estado, com todos os seus efeitos negativos sobre a Classe Trabalhadora, e sobre as relações entre a União Soviética e outros países. Nós avaliaremos os argumentos mais importantes de ambos os lados, e focalizaremos especificamente nas questões da Apropriação Capitalista e do Social Imperialismo.

Mas uma abordagem puramente econômica não é suficiente para resolver o debate. Isso deixaria muitas perguntas abertas, como: por que a União Soviética caiu com Gorbachev? Por que Kruschev se voltou contra Stalin? Como a ideologia oficial mudou durante história soviética? Para isso, nós temos que mergulhar fundo na teoria Marxista e olhar para mudanças sociais de um ângulo maior. No primeiro capítulo, definiremos alguns conceitos importantes para esta pesquisa. No segundo capítulo, resumiremos muito brevemente como a mudança de uma sociedade opera dentro de uma visão Marxista. Capítulo três examinará a economia soviética; e capítulo quatro o sistema político soviético. O quinto capítulo investigará se a União Soviética era Imperialista. Capítulo seis reavaliará o desenvolvimento de sociedade soviética desde uma visão geral e chegará a uma conclusão sobre sua natureza. No capítulo final, resumiremos nossas Reflexões Metodológicas que podem ser usada em pesquisas futuras.

Este trabalho será concentrado somente na União Soviética e suas relações a outros países. Seria muito simplista fazer suposições sobre outros países apoiadas [apenas] nas nossas descobertas sobre a União Soviética. Cada estado merece sua própria análise antes de ser declarado como socialista ou qualquer outra coisa. Mas nós esperamos que os resultados deste trabalho possam guiar estudos de caso futuros.

1. Definições

Mercadoria (Produção) – Costumamos pensar que todo produto de trabalho humano é uma mercadoria; mas só achamos isso porque vivemos em um sistema capitalista onde a produção de mercadorias predomina. Nem sempre é o caso, e não era assim em muito da história humana. O que é então uma Mercadoria? Em resumo, é algo produzido para ser trocado no Mercado (Valor de Troca) em vez de ser usado diretamente (Valor de Uso). Se uma pessoa da Pré-História afiar uma vara para usar isto como uma arma de caçar animais, não é uma Mercadoria. Mas se ela afia esta vara, ou 100 varas, para trocar no mercado por outras mercadorias que atendam às suas próprias necessidades diversas, então isso se tornou uma mercadoria. Mercadorias têm tanto Valor de Uso (caso contrário, ninguém compraria) e como Valor de Troca. Podemos falar sobre produção de Mercadorias onde quer que sejam fabricados bens principalmente para troca. 3

Classe – O conceito de classe era inconcebível em tempos antes de a Propriedade Privada entrar em existência. Também vai, de acordo com teoria Marxista, deixar de existir quando a Propriedade Privada for abolida com o socialismo. 4 Por isso, [o pertencimento a uma] classe é ligado de perto à relação de alguém com a propriedade [privada] e com os Meios de Produção. O conflito entre proprietários e os trabalhadores é o motor de história, como famosamente declarou Marx: “A história de todo a sociedade existente é a história da Lutas de Classes.” 5 Neste artigo, porém, nós aplicaremos [mais] o conceito de Classe da sociedade capitalista porque essa é nossa área de foco. Há duas classes principais no sistema capitalista. Uma deles, a Burguesia, é possuidora dos Meios de Produção (fábricas, terra, ferramentas, etc.), e não precisa executar qualquer trabalho verdadeiro. Invés disso, eles compram a mão-de-obra de Proletários que não possuem nenhum Meio de Produção e são forçados a vender o próprio trabalho deles como Mercadoria. Embora os Proletários produzam tudo que usamos, eles são despossuídos. Ao mesmo tempo, a burguesia colhe todos os benefícios sem contribuir em nada com processo produtivo, e funciona de uma maneira parasitária. Estas relações injustas e tensões dirigem Luta de Classe no capitalismo. Existe uma Classe Média além das outras duas classes, mas eles constituem um elemento variável entre o Proletariado e a Burguesia, apoiando um lado ou outro dependendo das circunstâncias. 6

Exploração – Este conceito, semelhante à noção de classe, está intimamente relacionado com a ascensão da propriedade privada. Simplificando, aqueles que realizam trabalhos para as classes proprietárias (sejam Proletários para a Burguesia capitalista ou Servos para os Senhores Feudais) recebem menos como recompensa do que aquilo que realmente produzem. Sem explorar as classes produtoras, as classes proprietárias não seriam capazes de se manter ou de acumular riqueza. A exploração pode assumir diferentes formas, mas vamos nos concentrar em como ela funciona sob o capitalismo. Aqui, a relação entre o Proprietário e o Trabalhador é legalmente constituída sob a forma de um contrato entre duas partes nominalmente livres. Isto contrasta fortemente com o sistema feudal primitivo, por exemplo, onde existia um sistema alternativo de escravidão. Ao contrário dos servos, os proletários em um sistema capitalista são teoricamente livres em sua escolha de trabalhar para seu “mestre”, mas na prática sua falta de propriedade dos meios de produção os coage a trabalhar para os capitalistas.7 Eles recebem sua recompensa na forma de um salário monetário, que equivale a menos do que o valor que eles mesmos criaram através de seu trabalho. O excedente restante é apropriado pelos capitalistas, não apenas para se manterem, mas também, e mais importante, para acumularem capital para investimentos futuros.8

Capitalismo – Este modo de produção surgiu após as revoluções burguesas que derrubaram a ordem feudal existente. Tinha sido estabelecido pela primeira vez na Inglaterra, provavelmente no ano 1661, e desde então se espalhou por toda a Europa Ocidental dentro de um século. No capitalismo:

  • A produção de mercadorias é predominante, pois a maioria das mercadorias é produzida para troca no mercado e não para uso imediato
  • A Burguesia é a Classe Dominante em virtude de ser Proprietária privada dos Meios de Produção (tais como fábricas, ferramentas, etc.)
  • A exploração é disfarçada como um contrato de trabalho “voluntário” entre as partes nominalmente livres, em oposição à servidão, escravidão, etc.
  • O Proletariado, por não possuir os Meios de Produção, deve vender sua Força de Trabalho aos capitalistas
  • Os salários dos trabalhadores não constituem o valor total que produzem; a parte que falta, que é chamada de Mais-Valia, é apropriada pela classe capitalista
  • O lucro é o principal incentivo da vida econômica e é derivado da Mais-Valia; a Burguesia usa os lucros para se sustentar e para investir mais
  • Os Proletários são a classe progressista, pois têm interesse em superar a exploração sistêmica
  • Existem classes médias que não são proletárias porque possuem pequenos meios de produção e obtêm lucros, mas ainda precisam trabalhar por conta própria; são menos relevantes em comparação e tendem a se tornar dependentes da burguesia ou a eventualmente se juntar às fileiras do proletariado
  • A produção e o capital ficam cada vez mais monopolizados e centralizados, o que tem algumas implicações, mas não constitui nenhuma diferença qualitativa em relação ao que foi delineado acima
  • Os limites econômicos do Estado acabam por exigir o imperialismo (formação de colônias) para evitar crises econômicas, que por sua vez provocam crises ainda maiores através de guerras perpétuas
  • A forte competição pelos lucros promove o investimento em tecnologia avançada, permitindo à burguesia vencer sobre os métodos de produção primitivos e estagnados do feudalismo
  • As próprias Relações de Produção tornaram-se um fator inibidor do desenvolvimento das Forças Produtivas: o alto grau de divisão do trabalho significa que a produção é cada vez mais socializada, enquanto toda a propriedade permanece nas mãos de uma minoria, o que leva a crises perpétuas e à ineficiência.

Capitalismo de Estado – O termo tem muitos significados diferentes ao longo do tempo e dos campos. Ele “tem a vantagem de ninguém saber exatamente o que significa”, escreveu Trotsky.9 No contexto de nossa pesquisa, ele descreve uma economia nacionalizada com o Estado atuando como um grande negócio capitalista. O Estado gera lucros para reinvesti-los e gerar lucros ainda maiores, enriquecendo assim uma classe capitalista. Esta relação antagônica entre a elite capitalista estatal e os trabalhadores pode resultar em medidas autoritárias para combater a resistência dos trabalhadores. Mas também é possível que o capitalismo de Estado se torne imperialista e, assim, aliviar este conflito interna, explorando outras nações.

Socialismo – Este modo de produção vem a existir após a revolução proletária ter derrubado a ordem capitalista existente. Ele foi estabelecido pela primeira vez na União Soviética, possivelmente no ano de 1936, e se espalhou por toda a Europa Oriental após a Segunda Guerra Mundial. No socialismo:

  • O poder político está firmemente nas mãos do proletariado e seus aliados (como o campesinato no caso da URSS)
  • A propriedade privada foi abolida, e os meios de produção foram socializados sob a forma de propriedade estatal ou coletiva
  • A economia é planejada de forma centralizada a fim de evitar a anarquia da produção e para atender conscientemente às necessidades da população
  • A exploração é abolida e os produtores recebem o valor que produzem diretamente na forma de salários, ou indiretamente como subsídios, serviços sociais ou investimentos futuros
  • As diferenças entre os estratos, a economia monetária e o próprio aparato estatal começam a murchar gradualmente durante a transição para uma sociedade comunista
  • Intelectuais, especialistas, funcionários, etc. ainda existem como um estrato destacável, mas idealmente provêm das fileiras da classe trabalhadora, estão subordinados à causa socialista e não têm interesses antagônicos com os dos trabalhadores – ao contrário dos intelectuais reacionários das sociedades capitalistas
  • O crescimento econômico não depende mais da opressão de outras nações, e os conflitos militares deixam de ser uma necessidade sistêmica.

Revisionismo/Oportunismo de Direita – Uma definição anterior da OCLG diz:

“Revisionismo é revisar o coração revolucionário para fora do marxismo. Revisionistas são aqueles que transformam a ciência revolucionária em seu oposto. É colocar uma face ‘marxista’ na contrarrevolução e opressão. Os revisionistas “agitam a bandeira vermelha para se oporem à bandeira vermelha’’. Há diferentes tipos de revisionismo. Eles freqüentemente se sobrepõem e implicam uns aos outros” 10.

Os principais tipos de revisionismo são, entre outros: o reformismo, o imperialismo social e o primeiro-mundismo. Gostaríamos de acrescentar a definição utilizada por Keeran e Kenny11 que identifica o revisionismo como justificativa teórica para o oportunismo de direita. O oportunismo de direita, por sua vez, é um recuo ideológico desnecessário, em outras palavras, uma saída fácil quando se confronta com problemas práticos. O oportunismo de direita é normalmente caracterizado pela busca de reconciliação com, em vez de luta contra o capitalismo. É o desejo de alcançar o socialismo e o comunismo rapidamente e sem enfrentar as dificuldades. A questão com o oportunismo de direita é que pode ser difícil identificar a princípio, pois os recuos são muitas vezes necessários no caminho para o socialismo. Para alguns, a Nova Política Econômica de Lenin (NEP) pode ter parecido com um ‘oportunismo correto’, uma solução simples para o problema da construção de uma economia socialista. Mas, mais tarde, acabou sendo o caminho correto, um recuo que foi a base para um avanço posterior. Outro exemplo: uma revolução socialista envolve o violento derrube do sistema capitalista. No início da história do socialismo científico, as pessoas argumentavam que o capitalismo poderia ser reformado pacificamente. Esta idéia é claramente oportunista, pois negligencia o fato de que uma revolução violenta é, sob determinadas circunstâncias, a única chance de sucesso de uma revolução socialista. É um recuo óbvio, pois joga [o poder político] diretamente nas mãos da classe capitalista, que controla o processo eleitoral. Qualquer tentativa de justificar teoricamente esta idéia é, portanto, uma forma de revisionismo. Da mesma forma, o imperialismo social é revisionismo, pois justifica a exploração de outros países para resolver questões econômicas domésticas. Mas, a longo prazo, ele atrasará uma revolução socialista global. O Primeiro-Mundismo é revisionista porque ele tenta forçar uma revolução no Primeiro Mundo, onde não há potencial revolucionário suficiente, não fazendo efetivamente nada no final.

Social-Imperialismo – Forçar outras nações a manter relações econômicas ou políticas desfavoráveis para fins nacionalistas e revesti-las de retórica socialista. Alguns socialistas não gostam deste termo, pois ele se afasta da definição de Lênin de imperialismo como o estágio mais alto do capitalismo. Lênin originalmente usou o termo “social imperialismo” para descrever os social-democratas que oportunisticamente aplaudiram seus respectivos estados capitalistas-imperialistas durante a Primeira Guerra Mundial [e que, no final, acaba, todos cumprindo a mesma função].

2 Conflitos da mudança social

As sociedades se consistem em duas partes: a base econômica e a superestrutura.12 A base é o Modo de Produção – seja feudal, capitalista ou socialista, para citar alguns exemplos. Ela condiciona a Superestrutura, que pode ser entendida como o componente ideológico de uma sociedade. Esta Superestrutura, por sua vez, reforça ainda mais o Modo de Produção.

Por Alyxr – Trabalho próprio, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=34613773

Cada modo econômico, até agora, sempre produziu conflito inerentes que são o pré-requisito para sua derrocada. À medida que os trabalhadores se opõem ao sistema capitalista, não suportando mais serem explorados, a superestrutura aperta suas amarras. As leis se tornam mais autoritárias, os intelectuais fazem uma guerra contra as idéias revolucionárias, e a mídia se degenera em uma mera máquina de propaganda. Mas este conflito inerente também carrega a semente da nova sociedade. Marx escreveu que a velha sociedade está grávida da nova.13 Trabalhadores que foram privados de quase todos os pertences materiais superam a mentalidade egoísta do capitalismo e começam a pensar em termos fora da superestrutura atual. Eles se organizam de maneira mais democrática, desconhecida do sistema atual. Lênin chamou estes fenômenos de uma cultura paralela14 e poder paralelo15, referindo-se a seu aspecto ideológico e institucional, respectivamente. A OCLG resume isso como Novo Poder.16 Esta luta constante entre o antigo e o novo, entre a ordem atual e a nova ordem que se desenvolve dentro da estrutura de um determinado sistema, é a força motriz do progresso humano. Estes conflitos internos dão origem a mudanças quantitativas que são melhor entendidas como “aumentos”, como o fortalecimento do Novo Poder em relação ao antigo. Os aumentos do Novo Poder têm um efeito desintegrador sobre o modo de produção atual, mas ainda não o derrubam. Em vez disso, este processo pode ser entendido como uma mudança no equilíbrio do poder.

Por exemplo, no modo econômico do feudalismo, a produção ocorria principalmente para consumo privado imediato e não para troca no mercado. Isto refletia a própria lógica dos primeiros sistemas medievais onde o patrimônio do senhor feudal era a unidade econômica mais básica. A descentralização política, o domínio [precário] do campo e os métodos primitivos de produção que produziam muito pouco excedente faziam com que valesse a pena utilizar bens manufaturados localmente, em vez de exportá-los. Esta abordagem, embora perfeitamente razoável, não só se refletia sobre a classe exploradora momentaneamente no poder, mas também não oferecia muitas oportunidades de progresso. Ao invés disso, apenas reforçou a antiga ordem. Uma das classes progressistas na época era a dos comerciantes sediados nas cidades. As propriedades feudais eram o maior mercado dos comerciantes porque a classe dominante era obviamente também a mais rica. Os bens locais produzidos dentro das fazendas não podiam competir com o trabalho dos artesãos da cidade. Seus produtos eram de melhor qualidade, e era mais fácil e mais conveniente apenas comprar suas mercadorias em vez de produzi-las localmente e muito menos eficientemente. Como resultado, a classe mercante cresceu em importância, e a produção local ineficiente para uso foi gradualmente substituída pela produção para o mercado. Até mesmo as próprias fazendas reorganizaram sua produção para fabricar mercadorias. A economia de dinheiro se tornou predominante e o aluguel de terrenos passou a ser a principal forma de dependência feudal nas partes mais desenvolvidas da Europa Ocidental. Tudo isso é um exemplo de mudanças quantitativas, que vieram como resultado de a classe progressista ganhar terreno dentro do sistema existente e promover seus próprios métodos de produção e organização política. É assim que uma nova sociedade se desenvolve dentro do útero da velha ordem.

Se as mudanças quantitativas se acumulam e atingem uma massa crítica, elas levam a uma mudança qualitativa onde o poder político é retirado da Classe Dominante, a velha máquina estatal é esmagada e substituída por novas instituições que servem à nova elite. As instituições estatais, que são por sua própria natureza instrumentos de coação, são então utilizadas para reorganizar as relações de classe obsoletas, assegurando assim os novos meios e métodos de produção. É o que chamamos de período de revolução social, e é assim que nasce um Modo de Produção. É preciso enfatizar que este é um processo. Simplesmente derrubar o antigo poder estatal não significa necessariamente uma revolução, porque isso é apenas o começo. Não podemos realmente falar sobre o período revolucionário que termina até que o domínio de um novo sistema econômico seja estabelecido.

Ao longo da história marxista,17 o proletariado industrial foi visto como a força motriz por trás de uma revolução socialista. Isto porque o Novo Poder emerge onde as conflitos do capitalismo são maiores. Durante a época de Marx, era nas nações industrializadas avançadas onde a exploração do proletariado urbano havia sido aperfeiçoada e levada ao extremo. Teria feito todo o sentido que eles tivessem iniciado a primeira revolução bem sucedida. Mas o capitalismo acabou sendo mais complicado, e uma revolução bem sucedida nunca ocorreu nesses países. Estas reflexões serão importantes ao analisar a sociedade soviética.

3 Análise Econômica

Se que a União Soviética fosse capitalista, ela precisaria ter uma economia capitalista. À primeira vista, este parece não ser o caso porque as empresas soviéticas eram estatais. Os restauradores, no entanto, raramente argumentam que a União Soviética restaurou o capitalismo liberal e de livre mercado; mas, ao contrário, que construiu um novo tipo chamado capitalismo de estado. Muito poderia ser dito sobre a economia soviética. Tentaremos manter esta seção curta, pois não há muito de novo insight que nosso trabalho possa oferecer. A teoria restauracionista do capitalismo de estado pode ser resumida como:

  1. Há uma nova classe capitalista constituída pelo Estado e pela elite partidária que controla os meios de produção.
  2. Esta nova classe capitalista se financia através dos lucros.
  3. A lucratividade é o principal determinante das decisões econômicas. A classe capitalista investe lucros a fim de receber lucros ainda maiores em troca.
  4. Os gerentes recebem uma parte dos lucros através do sistema de incentivos materiais e são assim motivados a explorar cada vez mais os trabalhadores.18

A partir destas hipóteses teóricas, podemos deduzir as seguintes hipóteses sobre a União Soviética:

  • Houve uma transferência de riqueza da classe trabalhadora para o Estado e para a burocracia partidária.
  • O Estado investiu em indústrias lucrativas em vez de não lucrativas, mas vitais.
  • A exploração dos trabalhadores aumentou para maximizar o lucro.

Os seguintes subcapítulos tratarão destas hipóteses uma a uma.

3.1 Distribuição da Riqueza

Os salários na URSS pós-Stalin esravam de fato convergindo.19 Os restauracionistas, entretanto, argumentam que a desigualdade era produzida através do sistema de bônus que favorecia os gerentes, pois os bônus eram pagos em relação aos salários base.20 Esta é uma idéia válida, uma vez que os gerentes de fato ganhavam mais incentivos, tanto em termos absolutos quanto relativos.21 Um estudo contemporâneo que analisa a desigualdade de renda na Rússia moderna, entretanto, mostra que a desigualdade da renda real das famílias não aumentou sob Kruschev ou Brejnev em comparação com o período de Stalin. Na verdade, a desigualdade de renda chegou a cair ligeiramente depois de Stalin. Ela subiu um pouco sob Gorbachev; e finalmente disparou após a dissolução da URSS.22 O coeficiente de Gini23 da União Soviética geralmente era um pouco mais alto do que o de outros países socialistas da Europa Oriental, mas pouco abaixo daquele do Reino Unido.24 Embora se possa argumentar que tais medidas capitalistas são inadequadas para avaliar a desigualdade em uma sociedade socialista (abordaremos isto novamente mais tarde), os dados não deixam espaço para argumentar que houve uma apropriação de riqueza capitalista relevante.

Além disso, a prática soviética de determinar de forma centralizada a maioria dos preços reduziu a desigualdade financeira real, mesmo depois de Stalin. As necessidades se faziam artificialmente baratas através de subsídios, e assim, os consumidores pagaram muito menos por bens básicos do que o valor que realmente custavam para sua produção. Por outro lado, os preços dos bens de luxo foram fixados artificialmente altos. Desta forma, e com a prestação de serviços sociais, as diferenças salariais se tornaram ainda menos evidentes na vida cotidiana.25

Comparação da Distribuição de Renda do 1% mais ricos na Russia, Estados Unidos e França
Comparação da Distribuição de Renda do 10% mais ricos na Russia, Estados Unidos e França
Comparação da Distribuição de Renda do geral da Russia, 1905-2015. 10% mais Ricos, 40% Médias, 50% mais pobres
Níveis de Crescimento Econômico real, em percentuais, da Rússia
Comparação da Distribuição de Renda do 1% mais ricos na Russia, na República Tcheca, na Polônia e na Hungria

Todas as tabelas acima retiradas diretamente de Novokmet et al (2018).

3.2 Investimento do Estado

Se o Estado e a burocracia partidária, depois de Stalin, se tornaram essencialmente uma classe capitalista que utilizou medidas econômicas para maximizar seus lucros, isto deveria se refletir nas decisões de investimento do Estado. A adoção do lucro como medida de desempenho econômico não só causa comoção no campo socialista, mas também no mundo capitalista. Outros autores, tais como Josef Wilczynski, qualificaram esta perspectiva.

  • Em primeiro lugar, o lucro não era uma medida consistente. Havia múltiplas formas de calculá-lo e ele diferia não apenas entre os países socialistas, mas também dentro deles.27 O lucro não era sequer objetivo, uma vez que os preços fixados pelo Estado muitas vezes estavam abaixo ou acima do valor.28 Isto é impraticável se quisermos usá-lo como base para as decisões de investimento.
  • Em segundo lugar, o lucro, de longe, não era a única medida para o desempenho dessas empresas. Outros indicadores às vezes até conflituavam com o lucro; e as empresas freqüentemente recebiam tarefas diretivas adicionais a cumprir.
  • Terceiro, grandes decisões econômicas eram planejadas de forma centralizada, com pouca atenção dada à lucratividade. Entre elas estavam a parcela da renda nacional que vai para o investimento ou consumo privado ou social, a parcela do investimento centralizado e descentralizado e a ampla distribuição do investimento entre filiais e regiões.29 Em comparação com outros campos de decisões econômicas, as decisões de investimento foram as mais influenciadas por considerações não-comerciais.30
  • Finalmente, as empresas com prejuízos eram freqüentemente subsidiadas e constituíam, de fato, um aspecto comum do planejamento econômico.

Wilczynski conclui com: “Fundamentalmente, o lucro não foi aceito como um fim, mas apenas como um meio”.31

3.3 Exploração

‘Exploração capitalista’ significa que os capitalistas não pagam a seus trabalhadores o valor excedente que produzem, mas guardam, pelo menos parte dele, para si mesmos. Entretanto, mesmo sob o socialismo, os trabalhadores não são pagos pelo valor total que produzem. Em nível empresarial, é necessário que haja capital constante para financiar máquinas e recursos. Em nível social, parte do valor excedente precisa ser coletado para fornecer serviços como assistência médica e infra-estrutura pública. A fim de provar que os trabalhadores da União Soviética pós-Stalin eram explorados no sentido capitalista, teria que haver certas condições a serem cumpridas:

  1. O Estado reter a mais-valia criada pelos trabalhadores.
  2. Este valor excedente retido deveria então ser utilizado para enriquecer um determinado estrato da sociedade e para expandir a produção.
  3. Tudo isso deveria acontecer de forma sistemática: a produção é expandida, especialmente em setores que geram muitos lucros, para enriquecer cada vez mais um determinado grupo de pessoas que controla efetivamente os Meios de Produção.

Em uma sociedade socialista, não se pode falar em exploração porque tudo que está sendo produzido beneficia os trabalhadores direta ou indiretamente. Se os trabalhadores fossem sistematicamente roubados dos frutos de seu trabalho, veríamos aumentar a desigualdade, e os salários dos trabalhadores diminuiriam em relação aos salários dos gerentes e burocratas. Este, entretanto, não foi o caso na União Soviética, como já examinado no capítulo 3.1.

Entretanto, após as reformas econômicas, a intensidade do trabalho, em alguns casos, aumentou mais rapidamente do que os salários dos trabalhadores. Para Dickhut, isto foi a prova de que a exploração dos trabalhadores na União Soviética aumentou de fato sob a nova liderança. No entanto, ele não provou que havia uma exploração sistemática para começar. Ele começou seu argumento proclamando que a União Soviética era capitalista, concluindo que, por ser capitalista, a relação de trabalho entre os trabalhadores e o Estado era exploradora.32 Mas ele não apresentou provas de que o aumento do valor criado pelos trabalhadores estava sendo apropriado pela burocracia ou pelos gerentes. Nossa análise até o momento não fornece provas suficientes para sustentar esta afirmação. O valor adicional criado poderia muito bem ter acabado como parte do consumo social e, portanto, não foi refletido em um aumento salarial correspondente. Dickhut fez o argumento de que uma parte crescente do lucro da empresa estava sendo colocada em fundos para incentivos materiais; e como os gerentes ganhavam relativamente e absolutamente mais com esses fundos, esta prática roubava sistematicamente dos trabalhadores os frutos de seu trabalho. Este argumento é logicamente coerente e, portanto, pode-se perguntar agora por que nossa análise anterior da desigualdade de renda na União Soviética parece contradizer as implicações do argumento de Dickhut. Há um fato que Dickhut não considerou: O dinheiro dos fundos de incentivo foi distribuído apenas parcialmente em uma base individual. Cerca de um terço foi distribuído em uma base coletiva ou entre pessoas com necessidades especiais. É difícil provar que isto poderia realmente mitigar a disparidade entre os incentivos pagos aos gerentes e os incentivos pagos aos trabalhadores porque os detalhes da distribuição dos incentivos variavam entre as empresas. Mas os detalhes eram decididos ou pelos conselhos de trabalhadores, comitês de fábrica ou por reuniões especiais de todos os trabalhadores, sugerindo que os próprios trabalhadores tinham alguma palavra a dizer.33 Um aumento considerável na intensidade do trabalho seria, portanto, um fato que poderia ser criticado como Oportunismo de Direita; poderia até ser necessário para o desenvolvimento econômico do país. Mas de qualquer forma, não é uma prova de exploração capitalista. Da mesma forma, apontar para o trabalho extra também não é prova suficiente para as relações capitalistas. A ineficiência econômica na União Soviética e em outras economias planejadas acarretou alguns efeitos colaterais indesejáveis. Por exemplo, no final dos ciclos de produção, os diretores muitas vezes forçaram seus trabalhadores a fazer horas extras para compensar as deficiências que ocorreram durante o mês. Mas este problema não era exclusivo de Kruschev e Brejnev, ele já havia existido sob Stalin. As horas extras forçadas eram ilegais e estavam no radar dos jornais e dos tribunais.34 Não era resultado de uma verdadeira apropriação capitalista, mas era devido a falhas no planejamento econômico soviético.

Uma equipe de trabalhadores soviéticos sob a direção do líder da equipe Alexander Sinyak, 1 de setembro de 1968, pelo arquivo RIA Novosti, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:RIAN_archive_633872_Workers_of_Soligorsk_potash_plant.jpg

3.4 O Mercado Negro

Os restauracionistas se justificam apontando para o Mercado Negro, onde se poderia encontrar estruturas econômicas capitalistas. O Mercado Negro não se assemelha aos conceitos dos restauracionistas sobre Capitalismo de Estado, mas podemos refletir sobre seu modelo. Na União Soviética, especialmente desde Kruschev, havia uma economia paralela enorme que operava de acordo com a lógica capitalista e fornecia bens de consumo baseados em incentivos de mercado. Isto assumia várias formas. Às vezes, as pessoas estavam apenas roubando bens de seu local de trabalho e os vendiam no Mercado Negro. Outras não roubavam produtos, mas roubavam máquinas e começavam a produzir elas mesmas. E ainda assim, outras abriam fábricas subterrâneas e até contratavam trabalhadores. Essas fábricas subterrâneas freqüentemente envolviam a administração de empresas estatais e operavam sob o mesmo teto. Mas estas fábricas não poderiam passar despercebidas sem subornar os funcionários do Estado. Do ponto de vista restauracionsita, a economia paralela poderia parecer uma extensão do modelo de Capitalista de Estado explicado anteriormente. Os gerentes poderiam agora maximizar os lucros aumentando a exploração, pois não estariam submetidos às exigências do planejamento estatal e nem aos direitos dos trabalhadores. Os funcionários do Estado deixaram isso acontecer e em troca suborno – tudo isso enquanto ainda preservassem uma fachada socialista.

Não há, entretanto, nenhuma razão para acreditar que o Mercado Negro fosse uma característica intencional da economia soviética pós-Stalinista, seja ela socialista ou capitalista. O Mercado Negro não complementou a economia legal; mas estava impedindo que o plano estatal fosse executado efetivamente porque os materiais roubados do local de trabalho reduziam a produção das empresas estatais, que então relatavam números distorcidos de volta aos planejadores centrais – pintando assim um quadro errado dos valores de entrada e saída. A atividade econômica privada também aumentou a desigualdade de renda, o que resultou em ressentimento público.35 Isto dificilmente poderia ser do interesse de qualquer elite política, seja ela capitalista ou socialista. Além disso, ser capitalista poderia ser punido com a morte, como de fato foi feito.36 Trabalhadores e camponeses estavam tão envolvidos no Mercado Negro quanto gerentes, e às vezes ganhavam dinheiro considerável para si mesmos.37 A maioria dos pequenos delitos, no entanto, eram tolerados pelo Estado para aliviar a pressão da produção pública de bens de consumo. Parece que as atividades capitalistas reais eram o foco principal da repressão do Estado. O fracasso de Kruschev e Brejnev em lutar contra o Mercado Negro deve ser criticado como sendo um Oportunismo de Direita; mas como o partido e a burocracia estatal, como um todo, não lucravam com a economia ilegal, isso dificilmente é uma evidência para a restauração capitalista na União Soviética.

Para nossa conclusão posterior, é relevante mencionar o papel que o Mercado Negro desempenhou na promoção de idéias capitalistas de livre mercado. A atividade econômica ilegal permitiu que algumas pessoas ficassem muito ricas e assim criaram um estrato de pessoas interessadas em reformas social-democratas. Este estrato também se tornaria uma fonte de fundos para os críticos e opositores do sistema socialista.38

3.5 Um Novo Tipo de Capitalismo?

Até agora, não encontramos evidências suficientes para apoiar a idéia de restauração capitalista na União Soviética. Mas Willi Dickhut, que escreveu uma das obras mais elaboradas e mais científicas a favor do argumento restauracionista, na verdade não acreditava que a União Soviética se assemelhasse a um Estado capitalista tradicional [como o brasileiro], mas a um “capitalismo de um novo tipo”.39 Uma publicação recente do Partido Marxista-Leninista da Alemanha (MLPD), que Dickhut fundou, fala deste “capitalismo burocrático de monopólio estatal de um novo tipo “40 , e assim revela as deficiências desta concepção. O MLPD argumenta que a restauração do capitalismo foi um processo que só foi concluído com a queda da União Soviética e a reintrodução do capitalismo liberal em seus antigos estados membros. Neste processo, o “capitalismo burocrático” (o que chamamos de Capitalismo de Estado neste documento) foi um Estado de transição entre o socialismo sob Stalin e o capitalismo liberal depois de Gorbachev.41 A questão que deve decorrer logicamente desta idéia é: Por que devemos definir algo como capitalismo que ainda não é capitalista porque está apenas no caminho de se tornar capitalista? Por que uma sociedade socialista, que está em processo de se tornar capitalista, é chamada de “Capitalismo Burocrático” e não de “Socialismo Burocrático”? Para justificar a terminologia do MLPD, seria necessário provar que a União Soviética depois de Stalin já se parecia mais com uma sociedade capitalista do que com uma socialista. Só então se justificaria falar de um tipo de capitalismo transitório ou Capitalismo de Estado. Nossa pesquisa até o momento não prevê tal possibilidade. Do ponto de vista do MLPD, no entanto, seu argumento faz sentido porque definem o socialismo usando uma Abordagem Direcional, a mesma que os escritos anteriores da OCLG usavam, segundo a qual “o Socialismo deve avançar na direção do Comunismo para ser Socialismo”. Mas, como mostraremos no último capítulo, esta abordagem tem sérias deficiências científicas.

Vejamos brevemente a afirmação de que a burocracia era essencialmente ‘uma nova classe capitalista’.

Na teoria tradicional marxista-leninista, a Classe é decidida pela relação de cada um com os Meios de Produção. Se alguém possui Meios de Produção, ele ou ela é um capitalista. Se não possuir, ele ou ela é Proletário. O argumento restauracionista afirma que a burocracia é uma classe porque ela é ‘coletivamente proprietária dos Meios de Produção’. No entanto, a linha entre burocracia e não burocracia na União Soviética era tênue. Quem fazia parte desta nova classe capitalista? Eram todos membros do partido? Eram todos funcionários do Estado? Se não, que posição no partido ou no Estado você tinha que alcançar para ser considerado parte da nova classe capitalista? Como nós da OCLG avaliamos a ciência por sua utilidade, rejeitamos a idéia de que havia uma nova classe capitalista na União Soviética. Como é impossível determinar com precisão quem fazia ou não parte desta classe, esta teoria não pode nos fornecer nenhuma visão adicional sobre a natureza da sociedade soviética. Para ser justo, a própria OCLG no passado nem sempre aderiu estritamente à definição marxista-leninista de Classe. Como percebemos que as diferenças entre os trabalhadores do “Primeiro” Mundo e do “Terceiro” Mundo são mais relevantes hoje do que as diferenças entre os trabalhadores do “Primeiro” Mundo e seus capitalistas domésticos, algumas vezes definimos classe como posição no Processo de Produção Global. Às vezes, chamamos as pessoas que são consumidores finais de parte da Burguesia Global, enquanto consideramos os produtores iniciais como Proletariado Global.42 Hoje em dia rejeitamos esta terminologia e nos referimos ao proletariado do Primeiro Mundo como “Aristocracia Laboral” para destacar seu lugar especial no processo de produção global.43 Ainda assim, a antiga definição era de certa forma justificada, pois nos dava muito mais clareza sobre o estado atual do mundo e onde se encontram seus principais conflitos. Os restauracionistas, entretanto, não apenas mantiveram a velha definição de Classe – que contradiz sua terminologia – sua teoria também não lança nenhuma luz sobre os conflitos dentro das sociedades socialistas. Embora concordemos plenamente que havia conflitos entre uma mentalidade burocrática burguesa e uma mentalidade proletária socialista, achamos enganoso defini-las como conflituosas entre os interesses de “Classe”. Uma mentalidade burguesa não ficava limitada à burocracia. Da mesma forma, uma mentalidade proletária não se limitava às pessoas da Classe Trabalhadora, como mostrou a Grande Revolução Cultural Proletária com sua iniciativa maciça de estudantes. Mesmo dentro da suposta “Classe Dominante” ainda existiam comunistas fiéis aos seus princípios.

Ademais, algumas pessoas promovem a idéia de que um Estado sem liderança comunista cheia de princípios não pode ser socialista. Ela é geralmente encontrada entre pessoas que aderem à definição direcional de socialismo. Mas este argumento é igualmente falho. É verdade que o socialismo, uma vez que tem que competir contra o sistema de capitalismo já entrincheirado e dominante no mundo, é bastante vulnerável, especialmente logo após seu estabelecimento. Portanto, também é verdade que um líder social-democrata em um país capitalista não pode destruir o capitalismo, mas essa liderança sem princípios em um país socialista pode, de fato, colocar em perigo o sistema. Entretanto, o que poderia destruir o socialismo não é a liderança sem princípios em si, mas as mudanças no sistema que ela poderia fazer. O socialismo pode se transformar em capitalismo depois que a liderança decide reintroduzir incentivos de mercado em larga escala, trazer de volta a Propriedade Privada [dos Meios de Produção], solidificar a burocracia como uma Classe econômica e social, centralizar o poder político excluindo assim a ampla participação do povo etc. Em ambos os casos, capitalismo e socialismo, o sistema não pode ser destruído sem destruir primeiro suas relações econômicas e suas instituições sociais. Isto aconteceu com a Europa Oriental socialista somente sob [a liderança de] Gorbachev e os novos líderes (também conhecidos como a “Nova Guarda”) do antigo bloco socialista.

4 Análise Política

Em nível político, o principal argumento dos restauracionistas é que o Estado e a burocracia partidária – como uma nova classe capitalista – concentrou o poder político em suas mãos. Se isso fosse verdade, esperaríamos uma diminuição dos direitos políticos e participativos do povo trabalhador. Assim, no capítulo seguinte analisaremos se os sucessores de Stalin de fato mudaram a natureza das instituições políticas soviéticas para desestabilizar a classe trabalhadora. Analisaremos as diferentes instituições políticas; e onde houve deficiências que prejudicaram a classe trabalhadora em favor da burocracia, analisaremos se elas foram o resultado de uma tomada capitalista, ou não.

4.1 O Partido Comunista

Uma alegação feita pelos restauracionistas é que os revisionistas diminuíram conscientemente a porcentagem de trabalhadores do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) para torná-los politicamente fracos.44 Embora seja verdade que a proporção de trabalhadores em relação à intelligentsia era mais favorável [aos trabalhadores] com Stalin, a tendência para a super-representação de pessoas com mais instrução já havia começado depois da Segunda Guerra Mundial na década de 1940 e era de fato um esforço deliberado do regime de Stalin.45 Há evidências de que durante as décadas de 1960 e 70, a composição social do Partido Comunista tendeu novamente para uma porcentagem maior de trabalhadores.46 Ainda assim, os trabalhadores de colarinho branco e a intelectualidade estavam claramente sobre-representados no PCUS,47 e isto deve ser criticado como um fracasso Oportunista de Direita de Stalin e seus sucessores. Mas, apesar desta distorção tecnocrática, a composição social do Partido Comunista não se equiparava a uma sociedade de classe capitalista de nenhum tipo.

No nível institucional, o partido era uma ferramenta para que os trabalhadores participassem da gestão da produção. Os ramos institucionais do Partido Comunista eram compostos principalmente de trabalhadores da produção, e cerca de 20% a 25% dos trabalhadores industriais das grandes empresas eram provavelmente membros do partido. O comitê do partido de cada empresa tinha que ratificar a nomeação do pessoal administrativo, e um comitê composto pelo ramo do partido, a Liga Comunista Jovem, e [ainda] representantes sindicais avaliavam o trabalho da administração. Este comitê podia transferir, recompensar ou até mesmo remover o pessoal administrativo.48

4.2 Sindicatos

Os sindicatos soviéticos desempenharam um papel importante ao permitir que os trabalhadores participassem da produção e de outras decisões que afetavam sua vida cotidiana. Ao contrário dos países capitalistas, os sindicatos soviéticos tinham uma ampla gama de responsabilidades, desde resolver conflitos entre trabalhadores e administração, negociar salários com o Estado, utilizar fundos da empresa para construir instalações comunitárias e muito mais. Os comitês distritais sindicais podiam demitir cada membro da gerência, e eles comprovadamente faziam uso deste direito. Através dos sindicatos, os funcionários poderiam influenciar diretamente as questões de seu local de trabalho, dando-lhes possibilidades de participação e poder político considerável. Seu papel institucional não diminuiu sob Kruschev ou Brejnev.49 A filiação a um sindicato era geralmente obrigatória, razão pela qual quase todos os trabalhadores da União Soviética estavam organizados em sindicatos. Compreendemos que algumas fontes que falam muito favoravelmente dos sindicatos soviéticos provavelmente tinham uma tendências pró-Khrushchev ou pró-Brezhnev. Mas mesmo as fontes mais anticomunistas que consultamos não negam que os sindicatos eram responsáveis por uma ampla gama de serviços sociais e desempenhavam um papel significativo na proteção dos interesses dos trabalhadores e nas decisões de produção.50 Observadores ocidentais apontavam ainda como os trabalhadores da União Soviética se sentiam muito mais ligados ao seu local de trabalho do que os trabalhadores ocidentais.51 Dickhut, em seu trabalho defendendo a restauração capitalista na União Soviética, alega que os sindicatos depois de Stalin eram efetivamente controlados por burocratas,52 mas não fornece provas de que a natureza dos sindicatos mudou fundamentalmente sob Kruschev ou Brejnev. Há, entretanto, casos em que os sindicatos não conseguiram proteger os direitos dos trabalhadores porque se sentiram obrigados a facilitar o cumprimento de planejamentos [públicos]. Às vezes eles deixam escapar as violações dos direitos dos trabalhadores por parte dos diretores a fim de atingir as metas de produção. Dependendo do caso individual, isto pode ou não ter sido do interesse dos próprios trabalhadores.53

4.3 Democracia soviética

O sistema político soviético da era Stalin não passou por mudanças institucionais fundamentais sob Kruschev e Brejnev. Somente Gorbachev tentou algumas reformas54 antes que suas políticas caíssem sob o peso de seus próprios conflitos. O sistema político pós-Staline da União Soviética não era inerentemente antidemocrático, mas sofreu com a estagnação política geral da época.

Para dar uma descrição muito breve, os soviéticos em vários níveis de governo eram o núcleo do sistema político da URSS. Os soviéticos combinavam os poderes legislativo e executivo para que os deputados eleitos pelo povo pudessem ser responsabilizados pela implementação das mudanças propostas. Os mandatos dos deputados eram imperativos, o que significava que o povo podia destituídos por não agirem em seus interesses. Embora isso não acontecesse com freqüência, era de fato uma possibilidade que até mesmo os membros do Soviete Supremo da URSS podiam ser destituídos.55 Normalmente, um candidato por circunscrição eleitoral era elegível para ser deputado no Soviete Supremo após ter sido determinado por deliberações públicas. No dia da eleição, o candidato tinha que receber pelo menos 50% dos votos para poder participar da eleição. Se um candidato recebesse menos de 50% dos votos, o processo eleitoral teria que ser repetido. Mas isso raramente acontecia. Os candidatos não precisavam ser membros do Partido Comunista e, às vezes, não havia sequer a maioria dos deputados eleitos que eram membros do partido.56

Além do sistema eleitoral, a União Soviética tinha várias instituições que permitiam ao povo influenciar a administração do país. Havia, por exemplo, grupos de controle popular diretamente eleitos e revogáveis, preocupados com o desempenho econômico das empresas e com a aplicação da lei estatal, bem como com o tratamento das reclamações dos trabalhadores. Tais grupos ou comitês existiam em todos os níveis de governo e eram uma ferramenta do povo para controlar a administração.57

Outro aspecto importante da democracia soviética era sua imprensa. Os jornais recebiam inúmeras cartas do povo com reclamações sobre queixas da sociedade, tais como más condutas de funcionários do partido e do estado. Os jornais eram obrigados a responder a cada carta, e a investigar o assunto eles mesmos, ou a encaminhá-lo para as instituições responsáveis. Muitas vezes, eles davam conselhos jurídicos. Em qualquer caso, o autor de uma carta tinha que ser informado sobre o que havia sido feito para corrigir a questão de suas queixas.58

Apesar de tudo isso, o sistema soviético possuía algumas falhas antidemocráticas. Em primeiro lugar, as críticas ao sistema socialista em geral e os ataques pessoais contra seus altos funcionários foram proibidos.59 Isto foi principalmente uma reação ao fato de que a União Soviética tinha que se defender contra as tentativas de desestabilização do Ocidente. Entretanto, este método é apenas de segunda categoria em comparação com o esforço geral para inspirar e desenvolver completamente a consciência revolucionária das massas, bem como a erradicação estrutural de elementos da sociedade que poderiam ficar do lado dos imperialistas. Mas como se trata de críticas de alto nível, o uso histórico de certas medidas antidemocráticas a este respeito parece justificável a partir de uma perspectiva soviética [e nacionalista]. Um segundo ponto de crítica freqüentemente mencionado na crítica liberal ao socialismo são as duras restrições da União Soviética à emigração e às viagens.60 Há dois aspectos nesta questão. Por um lado, como Kruschev e Brejnev não foram capazes de inspirar o povo com ideais socialistas, e em vez disso promoveram um desejo de conforto material, ficou claro que eles tinham que agir contra as pessoas que queriam deixar o país por razões econômicas. Esta é uma conseqüência que decorre de um erro do Oportunismo de Direita. Por outro lado, mesmo que a União Soviética não tivesse que restringir a emigração em massa de pessoas, provavelmente teria havido restrições às viagens aos países capitalistas, já que teria permitido a atividade de espionagem estrangeira e, conseqüentemente, representaria uma ameaça à segurança.

Portanto, olhando apenas para o nível institucional, não se pode afirmar que os sucessores de Stalin reduziram sistematicamente os direitos do povo trabalhador de participar da política. É verdade, porém, que a política soviética passou por mudanças qualitativas – isto é, uma burocratização gradual. Embora Kruschev e Brejnev não restringissem os direitos fundamentais, a participação real do povo foi gradualmente limitada por um processo de burocratização. Os restauracionistas poderiam argumentar que esta foi uma tentativa deliberada de concentrar o poder nas mãos da “nova classe capitalista”. No entanto, outra explicação parece mais plausível. À medida que a economia soviética se tornou maior e mais complexa, a necessidade de conhecimento profissional aumentou. Isto afetou os Comissários do Povo, que perderam sua influência para os Comitês executivos soviéticos, e que tiveram seu papel reduzido a dar aprovação formal às decisões tomadas por estes executivos tecnocráticos. Os processos se formalizaram, e a crítica e a iniciativa dos Comissários foi cada vez menos bem-vinda.61 Mais uma vez, é, antes de tudo, um erro Oportunista de Direita que alguém [Estado e Partido] não consiga elevar o povo a um ponto em que ele possa administrar a si mesmo sem depender de um estrato tecnocrático.

5 Relações com outros países

Neste capítulo, analisaremos as relações econômicas e políticas da União Soviética com outros países. Alguns comunistas ficam confusos sobre suas definições de capitalismo e imperialismo. Embora seja consenso entre a maioria dos marxistas-leninistas que o capitalismo em determinado estágio de desenvolvimento necessita do imperialismo, o comportamento imperialista por si só não é suficiente para provar o capitalismo. O imperialismo também pode ser impulsionado por motivos políticos, e até mesmo os estados socialistas podem ter ganhos a curto prazo com o comportamento imperialista. Como definido anteriormente, quando um país socialista se engaja no imperialismo, chamamos isto de Social-Imperialismo para diferenciá-lo do imperialismo capitalista. Social-Imperialismo é Oportunismo de Direita, e qualquer tentativa de justificar o Social-Imperialismo, por exemplo, com a Teoria de uma ‘Divisão Socialista do Trabalho’, é revisionismo. Os revisionistas ignoram principalmente o fato de que mesmo os estados socialistas podem se engajar no imperialismo, e conseqüentemente se tornarem líderes de torcida da política externa revisionista. Como o Social-Imperialismo não é movido por motivos econômicos capitalistas, ele parece diferente do imperialismo tradicional. Com isto em mente, vamos examinar a política externa política e econômica da União Soviética para determinar se ela foi imperialista e, em caso afirmativo, se este imperialismo foi impulsionado por motivos econômicos capitalistas ou pelo Oportunismo de Direita.

5.1 Relações econômicas

5.1.1 Com os países socialistas

Os restauracionistas afirmam que a União Soviética estava explorando outros países socialistas como colônias. Eles conseguiriam isso tornando-os economicamente dependentes e forçando-os a fazer acordos comerciais desfavoráveis. Dizem que a Divisão Socialista do Trabalho era usada para extrair seus recursos e para vender produtos manufaturados a preços excessivos em troca.62

Vamos examinar primeiro o comércio soviético com os membros europeus do Conselho de Assistência Econômica Mútua (CMEA ou Comecon). Analisando os dados econômicos de 1946 a 1968,63 vemos que em todo o período, a relação entre importações e exportações da União Soviética foi flutuante. Em alguns anos, a URSS exportava mais do que importava, em outros anos seria o contrário. Se a acusação de exploração imperialista capitalista fosse verdadeira, esperaríamos que o excedente de exportação da União Soviética aumentasse depois que Kruschev chegou ao poder, em 1956. No entanto, os dados mostram que o excedente de exportação soviético permaneceu quase exatamente o mesmo, em cerca de 4,7% de suas importações. Se a União Soviética fosse imperialista no sentido capitalista, também esperaríamos que a participação das matérias-primas no total das importações aumentasse depois de Stalin. Na verdade, foi o oposto. A participação das matérias-primas (incluindo alimentos) estava diminuindo constantemente durante todo o período após 1955. Entretanto, a quantidade de matéria-prima importada pela União Soviética não é realmente uma medida confiável, pois a União Soviética era rica em recursos.

Comércio da URSS com países da COMECON.
Importação (em milhões de dólares).
Porcentagem de Matérias-Primas nas Importações Totais
I. Maquinário Industrial e Equipamentos (incluindo partes soltas)
II. Combustíveis, Matérias-Primas (exceto Alimentos)
III. Alimentos e Matérias-Primas Alimentos
IV. Bens de Consumo Industrial (exceto Aliementos)
V. Não-Especificados

Compilação própria baseada em Marer (1972).

Exportação (em milhões de dólares).
Porcentagem de Matérias-Primas nas Exportações Totais
I. Maquinário Industrial e Equipamentos (incluindo partes soltas)
II. Combustíveis, Matérias-Primas (exceto Alimentos)
III. Alimentos e Matérias-Primas Alimentos
IV. Bens de Consumo Industrial (exceto Aliementos)
V. Não-Especificados

Compilação própria baseada em Marer (1972).

Sobras da Exportação (em milhões de Dólares).
Exportação Total menos Importação Total.
Sobra Dividida por Importação Total

Compilação própria baseada em Marer (1972).

Ao analisar o comércio da URSS com os países socialistas em geral, incluindo aqueles que não fazem parte da CMEA, vemos que o excedente de exportação da URSS diminuiu notavelmente no período entre 1956 e 1969. De 1946 a 1955, a União Soviética exportou cerca de 13,3% a mais do que importou. No período seguinte até 1969, seu excedente de exportação caiu para 6,7 por cento. Vemos um pico no excedente de exportação nos últimos anos da tabela, mas tais picos também ocorreram com Stalin.

Comércio da URSS com Economias Planejadas.
Exportações (em milhões de dólares)
Importações (em milhões de dólares)
Sobras de Exportação (em milhões de dólares)
[…]
Exportação Total menos Importação Total
Sobra dividida por Importação

Compilação própria baseada em Marer (1972).

Os acordos comerciais entre a URSS e outros países da CMEA foram, na verdade, favoráveis para os parceiros da CMEA. Os preços das mercadorias que eram comercializadas entre os países da CMEA eram orientados, grosso modo, pelos preços do mercado mundial. Os países socialistas não tinham nenhuma outra medida objetiva para determinar os preços de suas mercadorias, pois os preços eram fixados pelo Estado e refletiam as condições nacionais. Os membros europeus da CMEA também subsidiaram efetivamente Cuba, Mongólia e Vietnã, fornecendo-lhes um mercado para suas mercadorias, que compraram a preços acima do mercado.64 Os restauradores apontam para o fato de que, em alguns casos, os preços do mercado mundial não serviram realmente como base para o comércio entre os países da CMEA e a URSS. Isto é, de fato, verdade. Em alguns casos, os preços estavam acima do nível do mercado mundial, em outros estavam abaixo. Os restauracionistas veem isto como prova de que a União Soviética estava escolhendo preços arbitrariamente para explorar os países da CMEA, cobrando-lhes preços altos. Esta questão foi investigada em estudos empíricos, levando em conta preços e quantidades de todos os bens que eram comercializados. Os resultados são que, de modo geral, a União Soviética pagou aos países da CMEA muito mais por suas mercadorias do que o que eles pagariam comprando do Ocidente pelos preços do mercado mundial. Mesmo depois de ajustar seus preços de petróleo, o que foi criticado pelos restauracionistas como imperialismo,65 os soviéticos ainda cobravam dos países da CMEA apenas um terço do preço do mercado mundial.66 Além disso, os países socialistas do Terceiro Mundo receberam aproximadamente 5,865 bilhões de dólares em ajuda econômica da União Soviética somente em 1985, consistindo em financiamento direto, desencargos de crédito ou subsídios comerciais.67

Os restauracionistas podem citar muitos exemplos individuais de acordos comerciais desfavoráveis entre a União Soviética e outros países socialistas. O livro de Willi Dickhut é uma boa fonte para isso. Portanto, é verdade que, em muitos casos, a União Soviética não se preocupou em ajudar outros países a desenvolver suas próprias indústrias da maneira que poderia ter sido feito, pois provavelmente era mais conveniente para eles apenas importar os recursos, e produzir eles mesmos bens manufaturados com as fábricas que já existiam. Mas vale a pena mencionar também que os países da CMEA sofreram, de fato, com demasiada autarquia, criando problemas que poderiam ter sido resolvidos por uma divisão de trabalho mutuamente benéfica.68 Ainda assim, certos acordos comerciais desfavoráveis poderiam ter sido o resultado de uma mentalidade nacionalista de visão curta e mereceriam ser chamados de Oportunistas de Direita, e se alguém argumentar que resultaram na dependência a longo prazo dos países da CMEA em relação à URSS, então esses acordos também poderiam ser chamados de Social-Imperialistas. Mas, para argumentar que os soviéticos visavam uma dependência econômica a longo prazo de outros países socialistas em relação a si mesmos, seria preciso primeiro definir dependência. Depois disso, é preciso explicar se a dependência é automaticamente um ato de imperialismo. Por exemplo, a dependência mútua está colocando um único país em uma posição favorável? Da mesma forma, o fato da dependência por si só já é suficiente para provar que um país está explorando outro se a relação ainda é mutuamente benéfica? Em resumo, as pessoas que argumentam que a União Soviética estava explorando outros países socialistas como as colônias teriam que provar que suas práticas comerciais fomentavam sistematicamente uma dependência econômica unilateral e desfavorável. Não vemos isto como um fato. O comércio soviético com outros países socialistas beneficiou estes países de muitas maneiras. Ainda assim, a União Soviética certamente cometeu erros Oportunistas de Direita que refletem sua falta de compromisso ideológico. O sistema econômico de um país só pode ditar até certo ponto a maneira como ele negocia com outros países, e a liderança pós-Stalin não tinha uma mentalidade socialista adequada. No entanto, ainda vemos que os lucros não eram o principal incentivo do comércio. Nem tampouco os casos de Oportunismo de Direita soviético se assemelhavam ao imperialismo capitalista. De modo geral, é claro que é mais do que justificado ser cauteloso quanto à dependência de um parceiro ideologicamente incerto como a União Soviética pós-Stalin, uma vez que a dependência, embora ainda não constitua imperialismo e exploração em si mesma, é o pré-requisito para que isso aconteça.

5.1.2 Com Países Não-Socialistas

O comércio exterior soviético com países não-socialistas, especialmente com o Terceiro Mundo, não corresponde ao que esperaríamos de um país capitalista-imperialista. No entanto, ainda podemos encontrar padrões de comportamento Social-Imperialista.

Como Albert Szymanski assinalou, as práticas de comércio exterior soviético eram muito distintas das práticas dos países capitalistas-imperialistas. Mas antes mesmo de falar da qualidade das relações exteriores econômicas soviéticas, deve-se mencionar que o comércio exterior desempenhou apenas um papel menor na economia soviética. Em 1985, as exportações e importações representavam, cada uma, apenas 4% do PIB soviético. Além disso, entre 1965 e 1988, o comércio com países não socialistas do Terceiro Mundo representou apenas 10 a 15% do comércio externo total.69 As principais motivações por trás do comércio com os países do Terceiro Mundo eram fomentar relações amigáveis com os países fronteiriços, ou apoiar governos ideologicamente semelhantes. O comércio com os países do Terceiro Mundo estava concentrado em relativamente poucos parceiros, principalmente: Índia, Irã, Iraque, Síria, Argentina, Egito, Turquia, Afeganistão, Nigéria e Malásia.70 O comércio com países de orientação socialista beneficiou a URSS mais politicamente do que economicamente.71 O lucro geralmente não era utilizado para determinar o investimento estrangeiro.72 Também deve ser mencionado que os bens produzidos na União Soviética podiam ser imediatamente utilizados pelo seu próprio povo, uma vez que havia pleno emprego e nenhum excedente de produção. O comércio exterior era, portanto, um fardo para a economia soviética. As principais características das relações econômicas estrangeiras soviéticas eram:

  • Os acordos comerciais soviéticos geralmente consistiam em acordos bilaterais de compensação, o que significava que eles concordavam em trocar bens em vez de comprá-los ou vendê-los por dinheiro.
  • A União Soviética era um mercado para os bens industriais dos países do Terceiro Mundo, dando-lhes assim um motivo para investir em fábricas modernas.
  • A União Soviética se mostrou muito flexível com pagamentos, tanto para suas mercadorias quanto para seus créditos.
  • A União Soviética não possuía corporações transnacionais no Terceiro Mundo, exceto em casos muito raros de propriedade e produção conjunta.

Da mesma forma, a ajuda externa soviética (muitas vezes sob a forma de créditos reembolsáveis) não produziu benefícios econômicos diretos para os soviéticos. As taxas de juros dos créditos estrangeiros soviéticos, geralmente em torno de 2-3 por cento, eram muito inferiores ao crescimento econômico interno, o que significa que o capital utilizado para os créditos poderia ter sido melhor investido em casa. Outras características que distinguem a ajuda soviética da ajuda capitalista-imperialista são:

  • Os soviéticos receberam o reembolso de seus créditos na forma de bens produzidos localmente, muitas vezes das empresas que eles ajudaram a construir com seus créditos. Desta forma, a União Soviética poderia, entre outras coisas, garantir que sua ajuda fosse utilizada de forma adequada e benéfica. O Ocidente recebia o reembolso na forma de dinheiro e desta forma forçou os beneficiários a desenvolver seu setor de exportação.
  • Enquanto a ajuda soviética foi quase exclusivamente para o setor estatal e se concentrou em projetos industriais, a ajuda dos EUA quase sempre apoiava o desenvolvimento da produção de matérias-primas e infra-estrutura relacionada a ela.
  • Os investimentos estrangeiros soviéticos ajudavam seus beneficiários a se industrializarem, impedindo assim uma divisão internacional do trabalho; enquanto o Ocidente forçava os países a exportar recursos. Este ponto será qualificado mais tarde quando falamos sobre as tendências Social-Imperialistas no comércio exterior soviético.
  • Os soviéticos treinavam técnicos locais, reduzindo assim a dependência de seu parceiro comercial.73

Embora isto de fato não se qualifique como imperialismo capitalista impulsionado pela motivação do lucro, no sentido leninista, existem, no entanto, alguns aspectos do comércio exterior soviético que apontam para o Social-Imperialismo impulsionado pelo Oportunismo de Direita:

  • A União Soviética exportou principalmente máquinas e armamentos para países não socialistas em troca de alimentos e matérias-primas tropicais.74
  • A URSS às vezes exportava armas até para governos que as utilizavam para reprimir seu próprio povo, ou especificamente contra movimentos comunistas.75
  • Até meados da década de 1970, o comércio com países do Terceiro Mundo consistia principalmente em acordos bilaterais de compensação. Mas, no início dos anos 80, a União Soviética preferiu pagamentos em dinheiro.
  • Na década de 1970, a importação de bens manufaturados dos países do Terceiro Mundo diminuiu ainda mais.
  • E por último, ao longo dos anos 80, a União Soviética exportou mais do que importou.76 Mas este ponto é bastante ambíguo, uma vez que a União Soviética muitas vezes fez generosas doações a certos países.

De especial interesse é o papel desempenhado pelos bancos estrangeiros soviéticos, uma vez que eles poderiam fazer operações capitalistas no exterior. Os bancos estrangeiros podiam cumprir diferentes propósitos para um país socialista. Eles eram utilizados principalmente para facilitar o comércio exterior,77 mas também podem ser uma forma de financiar grupos progressistas no exterior. A União Soviética já tinha bancos estrangeiros sob Lênin e Stalin. Sua quantidade e seu lucro, entretanto, aumentaram significativamente depois de Stalin, o que foi resultado da crescente integração econômica da União Soviética no sistema capitalista mundial. No contexto das relações de exploração, os bancos estrangeiros soviéticos serviram principalmente como credores dos chamados países do Terceiro Mundo. Os créditos concedidos eram então freqüentemente usados para comprar equipamentos de máquinas da União Soviética. E, como mencionado acima, a URSS tinha esses créditos frequentemente reembolsados com alimentos tropicais e matérias-primas.

5.2 Relações Políticas

Até o momento, nem nossa análise da economia soviética nem do comércio exterior soviético apontam para um modo de produção econômico capitalista. Alguns aspectos das relações comerciais da URSS tiveram, no entanto, um caráter Oportunista de Direita e Social-Imperialista. Neste subcapítulo, finalmente, examinaremos se tal caráter Social-Imperialista também pôde ser encontrado nas relações exteriores políticas da União Soviética. Embora esta questão exija que façamos uma análise detalhada das relações exteriores soviéticas com todos os países em sua esfera de influência, isso certamente excederia o escopo deste documento. Em vez disso, partiremos do pressuposto de que a União Soviética não era inerentemente Social-Imperialista. Se fosse, ela teria invadido a Iugoslávia ou a Albânia depois que eles se separaram de sua hegemonia. Também não teria permitido que a Romênia aderisse ao FMI e mantivesse boas relações com a República Popular da China. Embora o exemplo da URSS certamente tenha tido influência nas políticas dos países socialistas aliados, eles ainda mantinham autonomia política dentro dos limites do socialismo.78 Isto complementa as conclusões de nossa análise comercial, que aponta para algumas tendências Social-Imperialistas dentro de um comportamento geral fiel aos seus princípios. Devemos também mencionar que, ao longo de sua existência, a União Soviética freqüentemente desempenhou um papel progressista internacionalmente, apoiando movimentos progressistas.

A maioria dos socialistas concorda que as intervenções militares e o socialismo não são mutuamente excludentes. Por exemplo, os marxistas-leninistas geralmente consideram o uso de militares chineses contra a revolta no Tibet como progressivo e justificado, e não como um ato de Social-Imperialismo. E ainda assim, os restauracionistas muitas vezes se referem ao envolvimento militar soviético em outros países como exatamente isso. Dito isto, toda intervenção soviética precisa ser analisada individualmente para determinar se era legítima de um ponto de vista socialista de [lealdade aos seus] princípios, ou se era motivada pelo Oportunismo de Direita para atingir objetivos nacionalistas.

Os seguintes relatos históricos são breves. Também não incluímos todas as instâncias da União Soviética flexioando seu músculo militar para obter ganhos políticos. Uma análise mais detalhada dos eventos poderia ter respondido a algumas perguntas interessantes e dado mais nuance a elas. Entretanto, como isto não foi necessário para determinar sua natureza, mantivemos esta parte curta para economizar tempo. Cada um destes eventos, assim como os menores que omitimos, são bastante interessantes e instrutivos, e certamente merecem sua própria análise.

5.2.1 Alemanha Oriental 1953

Embora seja um incidente freqüentemente negligenciado, queremos abordar a supressão da chamada “Revolta Alemã-Oriental”. Alguns restauracionistas a listam como exemplo de Imperialismo Soviético, embora tenha acontecido apenas alguns meses após a morte de Stalin, numa época em que Kruschev ainda não havia ascendido ao poder e os partidários de Stalin ainda estavam dirigindo a URSS.

Em 16 e 17 de junho de 1953, os trabalhadores da construção civil da Alemanha Oriental entraram em greve para protestar contra o aumento das cotas de trabalho. As ações espontâneas foram unidas pela a partes mais amplas da população para expressar críticas contra o regime socialista em geral. Os manifestantes acabaram até mesmo marchando contra as instituições estatais. Como a maioria dos socialistas naquela época, o Partido da Unidade Socialista da Alemanha Oriental (SED) olhou para a oposição política através do paradigma policial, o que significa que qualquer resistência ao sistema era vista como o trabalho de forças externas tentando sabotar o socialismo, ao invés do resultado de conflitos dentro da sociedade socialista. Portanto, as autoridades não viam melhor solução para os protestos do que suprimi-los com a ajuda dos militares soviéticos estacionados no país, pois, logo após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Oriental tinha limitado suas próprias forças de segurança.79 Este incidente não pode ser descrito com precisão como Imperialismo capitalista ou Social-Imperialismo. Os soviéticos apenas defenderam interesses de segurança legítimos na Alemanha Oriental naquela época. Eles não agiram pelo seu próprio interesse econômico ou nacionalista, mas para apoiar o regime da Alemanha Oriental. Mesmo que assumamos que a liderança soviética que sucedeu diretamente Stalin já era profundamente revisionista, é difícil ver como uma administração socialista de fortes princípios cometendo o mesmo erro do paradigma policial teria agido de forma muito diferente. O incidente ainda é um claro exemplo de Oportunismo de Direita, pois é mais fácil ignorar as exigências populares e suprimi-las violentamente quando elas se tornam grandes demais até se envolver com a população. Mas guardaremos este debate para um trabalho de pesquisa posterior sobre a República Democrática Alemã.

5.2.2 Hungria 1956

A chamada “Revolução Húngara” de 1956 foi, em sua natureza, semelhante à revolta da Alemanha Oriental, mas muito mais avançada. Como na RDA, os trabalhadores e a população em geral estavam insatisfeitos com o curso do Partido dos Trabalhadores Húngaros (MDP) no poder. E, como na RDA, os protestos começaram espontaneamente. Mas desta vez, eles continuaram por semanas com propaganda anticomunista e violência, até que o Partido dos Trabalhadores Húngaros se desmoronou de fato. Os velhos partidos burgueses estavam prontos para tomar seu lugar. Esta situação era uma séria ameaça ao socialismo e à segurança do bloco socialista. Neste contexto, a intervenção soviética na Hungria de 4 de novembro parece justificada, embora tenha sido realizada por meios militares e antipopulares, pois os soviéticos até mesmo se opuseram ao movimento antipartidário do conselho de trabalhadores. Naquela época, mesmo a China e a Iugoslávia defendiam a intervenção como um ato de solidariedade internacional.80 Logicamente, pode-se argumentar que a intervenção – embora justificada pelos interesses de segurança dos soviéticos – sofreu erros Oportunistas de Direita na sua implementação. Deveríamos, por exemplo, questionar criticamente por que a União Soviética considerou adequado opor-se ao movimento geralmente socialista do conselho de trabalhadores. Ao entrar em diálogo com o povo, poderia ter sido possível criar um novo partido socialista governante, menos alienado do povo do que o último, que foi basicamente derrubado.

5.2.3 Tchecoslováquia 1968

No período entre 1966 e 1968, o regime tcheco implementou reformas que favoreceriam fortemente a intelligentsia, e que não tinham o apoio da classe trabalhadora, nem eram de seu interesse. As reformas eram principalmente econômicas, visando aumentar a autonomia dos gerentes e ao mesmo tempo reduzir a participação dos trabalhadores e os direitos trabalhistas. Estes planos, se totalmente implementados, provavelmente teriam representado uma restauração capitalista na Tchecoslováquia. A partir de 1966, a classe trabalhadora protestou contra estas reformas, sentindo que elas estavam em claro contraste com seus interesses. A partir de 1965, a Tchecoslováquia também se aproximou politicamente do Ocidente, permitindo que TVs americanas fossem transmitidas, e tentando construir relações amistosas com os países da OTAN, enquanto se distanciava cada vez mais do Pacto de Varsóvia. Em 21 de agosto de 1968, após repetidas advertências, a União Soviética, a República Popular da Polônia, a República Popular da Bulgária e a República Popular da Hungria invadiram a Tchecoslováquia para retirar do poder os reformadores de espírito liberal. Embora o povo tcheco tivesse se oposto à intervenção militar, eles mais tarde saudaram as políticas que os soviéticos forçaram ao novo governo. Mais uma vez, a União Soviética não teve nenhum ganho econômico direto com a intervenção, mas lutou contra uma ameaça realista ao socialismo e à segurança do bloco socialista.81

Pessoas protestando contra a invasão soviética da Tchecoslováquia, Praga, agosto de 1968.

5.2.4 Afeganistão, 1979

A intervenção soviética no Afeganistão é, somada a intervenção na Tchecoslováquia, provavelmente o exemplo mais freqüentemente citado de “Imperialismo Soviético”. Mas uma análise mais profunda dos acontecimentos e de seus antecedentes é necessária para determinar o quanto esta caracterização é realmente adequada.

O Afeganistão, ao longo das mudanças de governo, tinha sido um dos primeiros aliados da União Soviética, pois sua relação com ela remontava à década de 1920. Em 26 de abril de 1978, o Partido Democrático Popular Socialista do Afeganistão (PDPA) chegou ao poder mobilizando seus partidários no setor militar, depois que o antigo regime de Daud havia ordenado que os líderes do PDPA fossem presos em face do crescente apoio popular aos comunistas. Este evento, também conhecido como a Revolução Saur, ocorreu sem qualquer envolvimento soviético.82 O PDPA tinha boas relações com a União Soviética, mas foi dividido em duas facções hostis: a linha dura Jalq, e a moderada Parcham. Após a revolução, o Jalq assegurou o poder e expulsou os membros do Parcham de posições relevantes. O PDPA realizou reformas de longo alcance como a Reforma Agrária e Campanhas de Alfabetização, beneficiando especialmente os camponeses e as mulheres. Mas o partido, cuja principal base de apoio estava nas áreas urbanas, subestimou a mentalidade conservadora no campo, e assim suas reformas foram enfrentadas com resistência. Sob a influência dos ricos mullahs e proprietários, a reação islamista do campo, por exemplo, matou professores e incendiou escolas. Em vez de mudar sua abordagem, o PDPA tentou implementar suas reformas pela força. Catorze vezes antes da intervenção soviética, o governo afegão solicitou apoio militar da União Soviética contra as forças reacionárias. Mas a União Soviética declinou desde que criticou a abordagem da linha dura de Khalq e preferiu, ao invés disso, um rumo mais moderado. Durante a visita a Moscou, o líder afegão Nur Muhammad Taraki concordou em moderar a abordagem do regime, mas foi morto ao retornar ao Afeganistão por apoiadores do radical Hafizullah Amin, que ocupou, ele próprio, as posições mais importantes do governo.83 Por volta dessa época, a União Soviética poderia ter começado a ver Amin mais como um passivo do que como um ativo, e assim eles podem ter feito planos para substituí-lo por um político mais moderado, como muitas vezes sugerido pelos historiadores ocidentais.84 Se o assassinato de Amin foi há muito conspirado pelos soviéticos ou se foi o resultado de uma luta interna no partido é motivo de debate. Entretanto, em 24 de dezembro de 1979, a União Soviética concordou em intervir do lado dos militares afegãos; e pouco tempo depois, Amin foi substituído pelo moderado Babrak Karmal.

É seguro dizer que a intervenção soviética foi necessária para evitar que o Afeganistão fosse tomado por reacionários violentos. Talvez a União Soviética também temesse a ideologia islamista radical dos reacionários se espalhando pelas regiões muçulmanas em seu próprio território. A intervenção dificilmente se classifica como imperialista, já que a União Soviética tinha apenas um pequeno interesse estratégico no país. Além disso, como com outros países aliados, a URSS manteve generosas relações econômicas com o Afeganistão.85 Até mesmo o fato de que as forças soviéticas poderiam ter matado diretamente Amin parece pelo menos parcialmente justificável: não apenas suas políticas impopulares ameaçaram a estabilidade do Afeganistão, mas o PDPA e a União Soviética também tinham boas razões para acreditar que Amin era um lacaio da CIA, o que até mesmo fontes ocidentais sugerem.86

Tropas soviéticas embarcando em um helicóptero no Afeganistão por Valeri Pizhanski, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Soviet_troops_boarding_a_helicopter_in_Afghanistan.jpg

5.2.5 Polônia 1981

Diante dos contínuos protestos contra o regime, a União Soviética instou a Polônia em 1981 a restaurar a ordem, o que acabou resultando na imposição da lei marcial. Para isso, a URSS enviou severos avisos aos líderes poloneses, e até mesmo mobilizou tropas ao redor da fronteira polonesa, sinalizando que estaria pronta para invadir se necessário.87 Para determinar se este comportamento pode ser considerado Social-Imperialista, temos que fornecer algum contexto.

O movimento Solidariedade, embora tenha surgido da verdadeira luta dos trabalhadores contra os fracassos do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia (PZPR), foi logo cooptado por populistas liberais e de direita. Em um esforço para unir o máximo possível da população por trás deles, seus líderes fizeram promessas contraditórias, tais como mais consumo com menos trabalho. Enquanto originalmente exigiam apenas reformas econômicas similares às da Iugoslávia, o Solidariedade tornou-se mais tarde cada vez mais pró-ocidental e promoveu mais e mais a derrubada do sistema socialista, além de deixar o Pacto de Varsóvia. A União Soviética permitiu que tudo isso acontecesse e só decidiu intervir depois que a segurança do bloco socialista estivesse entrado em perigo. Foi o burocrático e às vezes corrupto PZPR que foi responsável por estes eventos, pois ignorou o descontentamento do povo, que já vinham emergindo há décadas. Somente sua negligência permitiu o surgimento de um movimento pró-ocidental. O que a União Soviética fez foi essencialmente o controle dos danos. Embora o Oportunismo de Direita fosse, em última instância, a razão da (ameaça de uma) intervenção, era realmente o Oportunismo de Direita dos poloneses, e não dos líderes soviéticos. A intervenção soviética parece, portanto, justificada do ponto de vista da URSS, já que impediu que a Polônia escorregasse em um desastre liberal e ajudou a manter a segurança do bloco socialista na Europa.

6 Análise Conflitual da Sociedade Soviética

No primeiro capítulo, escolhemos deliberadamente o crescimento da economia capitalista dentro do modo de produção feudal como exemplo para mostrar que os marxistas não inventaram essas leis simplesmente a partir do nada para justificar seus próprios esforços. A revolução bolchevique não foi apenas mais um golpe que trouxe apenas uma mudança superficial na elite governante, sem tocar nos fundamentos da sociedade. Muito pelo contrário, ela se desenvolveu de acordo com os mesmos princípios de mudanças quantitativas que se acumularam na velha sociedade, como já foi descrito anteriormente no caso do feudalismo. As condições que levaram à revolução bolchevique devem ser bem conhecidas de todos os leitores marxistas, que aqui esboçaremos brevemente. A crescente importância da burguesia industrial moderna provocou um súbito aumento das forças produtivas, que foi dificultado pela forma estatal existente de absolutismo czarista. Isto agravou os conflitos internos do Império Russo e deu origem a seus coveiros: o moderno Proletariado industrial. A Luta de Classes se intensificou e levou à criação de novas formas de organização política, como o sistema de conselhos de trabalhadores (soviets) com seu governo alternativo separado. Além disso, a classe camponesa, que ficou atrás da agricultura ocidental devido ao atraso tecnológico, e que vivia uma forte opressão por parte dos proprietários e da classe kulak (aristocratas), provou ser um importante aliado do proletariado no derrube do sistema. Além disso, o cansaço da guerra contribuiu muito para o aumento do sentimento popular anti-Czarista que os bolcheviques usavam para ganhar o apoio popular para sua causa. Esta conquista gradual do apoio do povo fez com que a Classe Proletária expandisse sua base social, explorasse um a um os conflitos do sistema czarista e preparasse o terreno para a efetiva tomada do poder em 1917. É um equívoco entre alguns marxistas ver a revolução como um único evento, quando o partido bolchevique tomou o poder político. Ela está em oposição ao que as próprias autoridades soviéticas acreditavam. Em 1921 Lenin escreveu:

“Ninguém, penso eu, ao estudar a questão do sistema econômico da Rússia, negou seu caráter transitório. Nem, creio, nenhum comunista negou que o termo República Socialista Soviética implica a determinação do poder soviético para realizar a transição ao socialismo, e não que o sistema econômico existente seja reconhecido como uma ordem socialista ”88.

Comício bolchevique, julho de 1921.

Seguindo o modelo direcional do socialismo, alguns marxistas e alguns escritos anteriores da OCLG identificam este período de transição como o novo Modo de Produção em si mesmo. A Rússia, de alguma forma, tornou-se imediatamente socialista apenas em virtude de estar neste estado de transição, ao mover-se “na direção” do Comunismo. Como se pode ver claramente na citação acima e em inúmeras outras, esta visão não era defendida pelas autoridades soviéticas nem chinesas naquela época. Na verdade, ela data muito mais tarde e é um afastamento da clássica teoria marxista. Os primeiros sinais do modo de produção socialista podem ser atribuídos ao lançamento do primeiro Plano Quinquenal em 1928, que pôs fim à Nova Política Econômica da União Soviética. Mas as próprias autoridades soviéticas não falaram realmente do fim do período revolucionário e do estabelecimento da sociedade socialista até 1936, quando o segundo Plano Quinquenal já havia sido perseguido há muito tempo, e a chamada ‘Constituição de Stalin’ foi adotada. Tomemos a palavra deles e assumamos que 1936 é aproximadamente quando o Modo de Produção socialista foi firmemente estabelecido.

Desta forma, a primeira Revolução Socialista bem-sucedida ocorreu em um país no qual Marx não teria previsto que isso aconteceria. A economia russa não estava totalmente industrializada, nem havia uma maioria proletária. Agora, a história tem mostrado que uma revolução socialista não só é possível em um país atrasado, atormentado pelo imperialismo, mas que também é mais provável que aconteça mais cedo nestes países quando comparada a outros países onde o desenvolvimento capitalista está mais avançado. Uma razão significativa para isso é porque a burguesia dos países capitalistas avançados têm laços ideológicos muito mais fortes com o capital e, portanto, sua resistência contra as revoluções socialistas será mais dura; enquanto isso, na Rússia pré-soviética, o desenvolvimento capitalista era imaturo e fraco. Embora o relativamente pequeno proletariado tenha desempenhado um papel de liderança na Grande Revolução Socialista de outubro, o país ainda ficou com uma maioria camponesa que antes vivia sob condições feudais. Sabendo que o Novo Poder emerge do Proletariado, podemos agora ver porque o socialismo histórico foi, aparentemente, praguejado por uma falta de ideologia. Trata-se de um tema recorrente em toda a sua existência. O culto à personalidade em torno de Stalin, Mao e outros líderes foi, até certo ponto, um substituto para a consciência de classe.89 E a Grande Revolução Cultural Proletária, por exemplo, abordou diretamente a falta de consciência socialista na China.

Em certo sentido, a decadência ideológica na era pós-Stalin não foi resultado das políticas de Kruschev, mas uma falta de consciência de classe [que] as precedeu. Apesar de seus esforços para promover a autogestão e para combater a burocracia, o socialismo soviético sob Lênin e Stalin falhou em institucionalizar a iniciativa de baixo para cima por parte das massas. Este erro seria tratado mais tarde por Mao, que sabia que o socialismo é e deve ser um processo dinâmico a fim de evitar a burocratização. Além disso, na União Soviética, a sociedade socialista era vista como uma máquina que funciona exatamente como deveria, a menos que seja sabotada por forças externas. Esta metáfora moldou a abordagem policial da era Stalin. Mas a burocratização, que que se seguiria à falta de iniciativa de massa e o ignorância dos conflitos internos, foi evitada por um tempo devido à liderança e personalidade de Stalin. Era apenas uma questão de tempo até que a lacuna deixada por ele fosse preenchida por oportunistas. Depois de Stalin, vemos uma enorme classe trabalhadora que há algumas décadas atrás ainda era em grande parte camponesa. Ela nunca conheceu verdadeiramente a exploração do proletariado industrial sob o capitalismo, e por isso lhe faltava uma mentalidade socialista adequada. Além disso, o povo soviético havia acabado de travar uma dura guerra contra os nazistas e viveu os anos mais autoritários da liderança de Stalin.90 Não é surpresa que um oportunista carismático como Kruschev tenha chegado ao poder sob estas circunstâncias. E embora ele tenha usado mentiras e enganação para consolidar sua posição, ele apelou para os sentimentos populares. Ele mediu o sucesso econômico da União Soviética contra os Estados Unidos e assim desviou o foco dos princípios comunistas para o consumismo. Como o povo já tinha razões suficientes para estar satisfeito com o estado atual da sociedade soviética, e muitas vezes não tinha uma mentalidade socialista adequada, era fácil para eles redirecionar sua atenção para suas próprias condições materiais imediatas, e longe de objetivos abstratos e igualitários. Kruschev buscou ainda mais relações pacíficas com o mundo capitalista. Podemos imaginar tal política fosse popular em uma sociedade que apenas dez anos antes havia perdido 27 milhões de pessoas para uma guerra. Levando em consideração a possibilidade de um confronto nuclear, sua posição é até um pouco razoável, especialmente se tivermos em mente que a União Soviética continuou a apoiar movimentos promissores de libertação no Sul Global, apesar do que foi dito em público.91 Muitas pessoas ainda se lembravam da guerra civil pouco mais de 35 anos antes da chegada de Kruschev ao poder. E assim, o povo poderia ter gostado de sua idéia revisionista de um “estado de todo o povo”, porque ela prometia um ambiente social pacífico. Kruschev abordou não apenas o desejo do povo pela paz e bens de consumo, mas também o desejo do partido e dos oficiais do estado pela própria segurança, pois eles eram as principais vítimas da repressão da era de Stalin.92 Depois de Stalin, a liderança soviética teve que escolher entre duas estradas: a estrada revisionista, que buscava administrar e preservar o Estado socialista mais ou menos em seu nível atual pelos meios experimentados e testados, e que eventualmente lançaria as bases para a restauração capitalista – ou a estrada socialista que inspiraria uma nova consciência revolucionária nas massas e continuaria a transformar a sociedade a partir de baixo, mesmo à custa da estabilidade. A partir de nossa análise histórica, fica claro por que a União Soviética enveredou pelo caminho revisionista. Durante sua vida, Stalin falhou em institucionalizar sua luta contra a burocracia.93 O socialismo soviético ficou estagnado. Pode-se argumentar razoavelmente que a União Soviética tomou um rumo revisionista já durante os últimos anos da liderança de Stalin. Embora fosse Kruschev introduzindo a doutrina da coexistência pacífica, Stalinejá havia sido muito cauteloso em apoiar movimentos progressistas no exterior, pois não queria arriscar uma guerra contra os Estados Unidos.94 Com Stalin, a relação econômica entre a União Soviética e seus aliados da Europa Oriental tinha algumas tendências claramente imperialistas. Esta política foi vista pelos soviéticos como uma compensação pelos danos que sofreram durante a Segunda Guerra Mundial. Por exemplo, a URSS exigia duras concessões econômicas da Iugoslávia, embora não tivesse sequer colaborado com a Alemanha nazista. Foi somente depois de Stalin, em meados dos anos 50, que os soviéticos puseram um fim a esta prática.95 Outro exemplo da mudança de Stalin para o revisionismo é seu infame apoio a Israel.96 No entanto, o revisionismo de Kruschev acarretaria um novo revisionismo, e os problemas subiriam em espiral. A ênfase de Kruschev no consumismo incitaria desejos burgueses nas pessoas que ele não poderia satisfazer a longo prazo. Sua idéia de um ‘estado de todo’ o povo fez a classe trabalhadora baixar sua guarda contra a possibilidade do capitalismo reemergir. A relutância de Brejnev em lutar contra a economia paralela, que fornecia bens de consumo, permitiu que ela se tornasse um terreno fértil e fonte financeira para os sentimentos e idéias capitalistas.97

Ainda assim, as sociedades não mudam com alguém estalando seus dedos. O capitalismo não acaba só porque o proletariado mina o mercado ao estabelecer hortas comunitárias. Da mesma forma, o socialismo não terminou até que Gorbachev cedeu à influência de uma proto-burguesia espreitando nas sombras do Mercado Negro e estendendo suas garras para a política e a academia. As políticas revisionistas produziram uma base econômica que fomentou uma superestrutura cada vez mais burguesa. A restauração do capitalismo foi um processo que poderia ter sido interrompido. O governo Stalin havia nacionalizado a economia após o período da NEP, mas seus sucessores ideologicamente fracos foram incapazes de reagir adequadamente aos desafios econômicos. As políticas de Kruschev e Brejnev não eram uma restauração do capitalismo, mas um Oportunismo de Direita – uma solução simples e sem princípios para um problema complexo. Podemos dizer que, mesmo depois dessas reformas, que sem dúvida promoveram uma mentalidade capitalista, a economia soviética ainda carecia de características vitais do capitalismo, por exemplo, as decisões de produção sendo tomadas exclusivamente sobre a rentabilidade e a apropriação da riqueza que poderia ser medida na crescente desigualdade. A idéia de que Kruschev e seu pequeno grupo de elites partidárias restauravam sozinhos o capitalismo é um sintoma da liberal “Teoria do Grande Homem” e falha em [não] olhar o desenvolvimento social a partir de uma perspectiva conflituosa. Mudanças quantitativas em favor do capitalismo ainda não equivalem a uma restauração capitalista. Os restauracionistas podem dar provas convincentes apontando inúmeras ocasiões em que o partido pós-Stalin e a liderança governamental agiram de forma oportunista e, desta forma, prepararam o terreno para que a restauração capitalista acontecesse nos últimos anos. Mas eles não devem ser tomados por nada mais do que foram: mudanças quantitativas, um aumento da força da Base Social contra-revolucionária dentro de uma sociedade socialista imperfeita. De fato, elas foram uma causa de longo prazo para que a contra-revolução real acontecesse nos últimos anos, mas não foram necessariamente contra-revolucionárias em si mesmas. Só porque a União Soviética havia perdido seu impulso progressivo, e que a sociedade começou a voltar ao capitalismo, que ainda não se iguala ao próprio capitalismo. O processo de mudança de um Modo de Produção para outro é rápido no sentido relativo, daí o porquê de ser chamado de Revolução Social. Mas isso não acontece instantaneamente. A mudança qualitativa acontece relativamente mais rápido do que o acúmulo gradual de mudanças quantitativas. Não podemos realmente falar sobre qualquer contra-revolução organizada que aconteça na União Soviética até pelo menos os anos 80.

Finalmente, queremos enfatizar que o oportunismo de Kruschev e Brejnev, de fato, tinha o potencial de transformar a União Soviética em um país capitalista de Estado, se Gorbachev não tivesse permitido que o capitalismo liberal voltasse primeiro.

  • A renda das famílias, como utilizada no capítulo 3.1, é uma medida incompleta para a desigualdade, pois não leva em conta os privilégios desfrutados pela elite do partido e do estado como um canal para o enriquecimento pessoal.
  • O problema do nepotismo, especialmente nas Repúblicas da União, pode ter consolidado a burocracia como uma classe a longo prazo.
  • O caráter tecnocrático da política soviética, se mais institucionalizado, poderia ter tornado a classe trabalhadora impotente dentro do sistema político.
  • É provável que a decadência ideológica da era pós-Stalin continuasse e acabasse como um simples oportunismo egoísta.

Mas, apesar de tudo isso, nossa pesquisa sugere que esses problemas ainda não haviam sido institucionalizados. A União Soviética permaneceu socialista pelo menos até Gorbachev chegar ao poder, e definitivamente terminou sua transição para o capitalismo quando este foi desmembrado em 1991.

7 Conclusões Teóricas e Perspectivas

Ao definir um sistema político como capitalista ou socialista, democrático ou autoritário, federalista ou centralista etc., as pessoas são tentadas a elaborar uma lista de características. Por exemplo: “Um país socialista deve ser democrático, ter uma economia nacionalizada, e ser governado por um único partido”. Esta abordagem é a maneira padrão de classificar os sistemas políticos nas ciências sociais burguesas contemporâneas. Mas esta abordagem é um mero empirismo. Para ser claro, observações empíricas são necessárias para entender um objeto de interesse. Mas, do ponto de vista científico, é impossível compreender a verdadeira natureza de qualquer coisa apenas olhando para suas características empíricas. O problema é que concepções como a “democracia” são impossíveis de medir. Não existe uma lista de verificação definitiva que possa definir a democracia. Os marxistas entendem que a natureza de um sistema político depende de sua perspectiva. O socialismo é chamado de “Ditadura do Proletariado” porque é uma ditadura, para os capitalistas. É democrático ‘somente’ para o proletariado. Da mesma forma, os países da Europa Ocidental correspondem aos critérios burgueses das democracias. Mas estas “democracias” estão comprometidas pela influência do capitalismo que tem seus agentes em literalmente todas as instituições de tomada de decisão e financia todos os principais partidos com “doações”. Portanto, a democracia capitalista é democrática somente para os empresários ricos [e, às vezes, nem isso], mas não para o Proletariado. Se quisermos definir o socialismo, encontramos outro dilema. Por um lado, temos idéias de como deve ser uma sociedade socialista e, portanto, somos tentados a incluir medidas qualitativas como Consciência de Classe e Democracia. Por outro lado, queremos aplicar nossa definição a casos reais. Mas conceitos vagos como ‘democracia’ não são quantificáveis, pelo menos não sem falhas. Para que a teoria seja científica, ela deve ser falseável. Suponhamos, por exemplo, que o socialismo é sempre democrático. A partir desta suposição, deduzimos que se um país não é democrático, não pode ser socialista. Mas como a democracia não é quantificável e, portanto, não mensurável, acabamos num beco sem saída. Se dependermos desses conceitos, o socialismo pode ser qualquer coisa. É por isso que no final, devemos nos limitar a características que são empiricamente mensuráveis, enquanto ainda prestamos atenção ao seu contexto específico. Isto não é contradizer a idéia maoísta de “Política no Comando”. Entretanto, uma mudança radical na propriedade dos Meios de Produção deve preceder à mudança ideológica [dominante da sociedade]. Afinal de contas, sabemos muito bem que não se pode trazer socialismo simplesmente ensinando as pessoas a serem mais compassivas umas com as outras.

Outro aspecto a se considerar ao determinar a natureza de um sistema é o Poder. Se o capitalismo está no poder, ele irá inevitavelmente restaurar as instituições do mercado. Isto não aconteceu depois que Kruschev assumiu a liderança na URSS. O próprio Dickhut admitiu que os revisionistas não poderiam restaurar imediatamente o capitalismo sem enfrentar a resistência do povo.98 Então, como se pode argumentar que os capitalistas estavam totalmente no comando? Os capitalistas norte-americanos pedem consentimento antes de pisar nos direitos trabalhistas? Os capitalistas chineses pedem aos trabalhadores antes de cometerem mais uma violação dos direitos humanos? Eles não o fazem. Embora as concessões sejam uma ferramenta da classe capitalista para manter o povo calado, elas não se estendem às decisões fundamentais sobre a natureza do sistema. O próprio Dickhut afirma que os sistemas podem estar em um estado de transição, como a República Democrática Alemã logo após 1949 que, segundo ele, era uma “democracia popular”, e ainda não socialista.99 Se a RDA, apesar de ter um governo de classe trabalhadora, não se tornou imediatamente socialista, então a União Soviética pode permanecer socialista por um certo período, apesar de ter uma liderança revisionista.

O foco extremo na trajetória de um Estado pós-revolucionário na determinação de sua natureza, ou seja, o que chamamos de “abordagem direcional”, não é científico. É puramente qualitativa na medida em que não se pode expressar em números até que ponto uma sociedade está progredindo em direção ao Comunismo. Vejamos um exemplo extremo. A União Soviética socialista logo após a morte de Stalin estava certamente progredindo mais lentamente em direção ao comunismo do que a “Democracia Popular” (para usar a terminologia de Dickhut) na RDA. Se definirmos o socialismo puramente pela velocidade com que uma sociedade progride para o comunismo, a RDA de 1949 teria que ser considerada mais socialista do que a União Soviética de 1953. É claro que não há, possivelmente, nenhum restauracionista que realmente faça tal argumento. Por que não? Porque mesmo os restauracionistas que utilizam a abordagem direcional para provar que a União Soviética pós-Stalin era capitalista dependem de dados quantitativos adicionais para analisar a natureza de um sistema político. O tipo mais simples de dados quantitativos é se algo existe ou não. No caso do socialismo, podemos perguntar: Existe ou não propriedade privada? Há ou não preços determinados pelo mercado?” E assim por diante. É claro que, na realidade, a resposta a estas perguntas são muito mais fluidas do que simplesmente ‘sim’ ou ‘não’, mas elas podem ser colocadas em números e, portanto, podem ser comparadas. Pelo menos desde Lênin, definimos o socialismo como o estágio entre Capitalismo e Comunismo. É compreensível, portanto, que muitas pessoas definam o socialismo não com base na realidade concreta, mas como uma trajetória. Levar em conta esta trajetória, embora não possa ser determinada definitivamente, tem mesmo certas vantagens. Por exemplo, ela permite expressar a diferença entre a União Soviética revisionista e a República Popular Revolucionária da China, embora seus sistemas econômico e político fossem, por vezes, bastante semelhantes. Tem também alguns méritos para organizações socialistas e para futuras sociedades Socialistas. Se reconhecermos que o Socialismo nem sempre avança para o Comunismo, isto estimulará a sociedade a ser mais crítica e a reavaliar constantemente seu estado atual e, portanto, a ser mais cautelosa sobre uma possível restauração do Capitalismo. Em resumo, mesmo os restauracionistas sempre usaram medidas qualitativas e quantitativas para definir o Socialismo. Esta abordagem também é útil, em geral, mas os restauracionistas deram muito peso ao lado qualitativo da definição quando era ideologicamente conveniente. Levando isto em consideração, o termo correto para descrever o socialismo na União Soviética depois de Stalin poderia ser Revisionismo, significando uma base econômica socialista manchada por uma liderança Oportunista de Direita – uma sociedade economicamente socialista que perdeu seu impulso revolucionário no caminho para o comunismo, e que, de acordo com evidências históricas, estava a caminho da restauração capitalista. Pode-se também chamar ela de Socialismo Estagnado, em oposição ao Socialismo Dinâmico, que ainda progride em direção ao Comunismo. Podemos ter noção da trajetória de uma sociedade Socialista olhando criticamente para a Teoria que orienta suas decisões políticas, embora esta permaneça sempre uma abordagem qualitativa e só possa nos dar uma dica; ela não pode colocar em números a rapidez com que um sistema está progredindo tanto para o Comunismo quanto para a restauração capitalista. O Socialismo Estagnado pode ser o resultado de certas circunstâncias históricas que favorecem as tendências Oportunistas de Direita. Não é uma falha para o Movimento Socialista admitir que isto é possível. Nem tudo aquilo de que nos envergonhamos deve ser rotulado de Capitalista. Os maoístas chineses que acusaram a União Soviética de ser Capitalista de Estado muitas vezes fizeram afirmações exageradas ou completamente falsas sobre a economia soviética.100 Não está claro se isto veio de uma pesquisa descuidada e mal intencionada, ou se os maoístas tinham apenas uma visão tão grande do desenvolvimento social que previram instintivamente a restauração do Capitalismo com Gorbachev. De qualquer forma, foi um erro científico. Da mesma maneira, os ideólogos alinhados com os soviéticos afirmaram que Mao era um capitalista.101 A compreensão correta do revisionismo foi prejudicada pela política da separação Sino-soviética.

A última questão que resta agora é Como um país Socialista Dinâmico deve lidar com países Socialistas Estagnados?” Queremos avaliar esta questão com muito cuidado, pois faltam evidências históricas. É evidente que a ruptura Sino-soviética colocou muitas dificuldades tanto para a União Soviética quanto para a República Popular da China. Estas dificuldades eram claramente visíveis, por exemplo, quando ambos os países se encontraram em lados diferentes da Guerra do Afeganistão. Entretanto, seria provavelmente demais dizer que a solidariedade entre os países socialistas deveria transcender todas as diferenças teóricas e práticas. Parece razoável propor que os países socialistas tenham que tomar decisões sobre suas relações um com o outro, caso a caso. A importante diferença entre um país Socialista Estagnado e um Capitalista é que o país Socialista Estagnado ainda possui a maioria de suas instituições que, teoricamente, permitem que a Classe Trabalhadora exerça poder sobre o Estado. A Classe Trabalhadora de um país Socialista Estagnado ainda pode acender a chama revolucionária mais uma vez sem destruir as instituições estatais atuais. Mesmo dentro da burocracia estatal ainda havia comunistas revolucionários que foram simplesmente paralisados pelo processo burocrático.102 É vital, portanto, determinar até que ponto a estagnação já progrediu no país socialista em análise. Se é provável que um país Socialista Dinâmico possa exercer uma influência positiva sobre um país Estagnado, então as relações de colaboração devem ser mantidas. Somente se um regime estagnado já estiver firmemente no poder, e a colaboração significaria fortalecer este regime contra a Classe Trabalhadora, então se justifica uma cisão política.

Nossa pesquisa não é importante apenas porque aborda um conflito de décadas e erros comuns mantidos dentro do movimento comunista. Ela também mostra as regras de como qualquer organização progressista deve agir sobre suas posturas teóricas. Demonstramos claramente que o Dogmatismo, o Oportunismo e a Ignorância cegam a espada da Ciência Revolucionária e embaçam a percepção que se tem do Mundo. Somente o reconhecimento sincero e autocrítico dos erros do passado pode nos impedir de repeti-los. Isto inclui também a OCLG. Enquanto nosso falecido fundador Campo Flamejante reconheceu que a organização ainda carecia de uma avaliação científica sobre o Revisionismo soviético,103 ele ainda fez críticas exageradas sobre a União Soviética pós-Staline. Isto foi claramente um erro. O salto do Capitalismo para o Socialismo e para o Comunismo é uma tarefa histórica que será tudo, menos fácil. Mesmo com a avaliação mais científica do passado, erros serão cometidos no futuro. É por isso que é ainda mais importante para nós estarmos numa base científica firme que nos ajude a compreender e corrigir esses erros. Ao escrever este artigo, os comunistas honestos, quer pensassem ou não na pós-URSS como Capitalista ou Socialista, sempre concordaram que os fracassos da União Soviética Revisionista não devem ser repetidos. Como já mencionado na introdução, o objetivo deste artigo é unir e fomentar a colaboração baseada na ciência revolucionária. Não é nosso objetivo aprofundar ainda mais a cisão no Movimento Socialista [Internacional].

Ciência Revolucionária no Comando!

Queremos agradecer aos nossos queridos camaradas Isaac, Janelle Velina, Jonathan Meadows, Rivaldo “Djuma” Cardoso e Uziel Stryker, por sua ajuda com este artigo.

1 LLCO (2016a).

2 Trotsky (1937).

3 Sweezy (1942), p. 28.

4 Marx and Engels (1969), p. 6.

5 Ibd., p.14.

6 Ibd., pp. 15, 18.

7 Sweezy (1942), p. 39.

8 Ibd., pp. 59-62.

9 Trotsky (1937).

10 LLCO (2016a).

11 Keeran and Kenny (2010), pp. 233-234

12 Marx (1977).

13 Marx (1887), p. 534.

14 Lenin (1972).

15 Lenin (1964).

16 LLCO (2016d).

17 Mao (1945), p. 19.

18 Dickhut (1988), pp. 108-109.

19 Hough (1974), p. 13.

20 Dickhut (1988), pp. 121-122.

21 Wilczynski (1973), p. 155.

22 Novokmet et al. (2018). pp. 213, 216, 219.

23 Indicador de desigualdade de renda que pode assumir valores entre 0 e 100 → quanto maior o valor, maior a desigualdade.

24 Novokmet et al. (2018), p. 218.

25 Szymanski (1984), p. 134.

26 Wilczynski (1973), p. vii.

27 Ibd., p. 44.

28 Ibd., p. 154.

29 Ibd., pp. 44-48.

30 Ibd., p. 169.

31 Ibd., pp. 44-48.

32 Dickhut (1988), pp. 132-136.

33 Wilczynski (1973), pp. 136-137.

34 Conquest (1967), pp. 130-132.

35 Keeran and Kenny (2010), pp. 77-78.

36 Aurthur (1977), p.65.

37 Kurkchiyan (2000), pp. 86-87.

38 Keeran and Kenny (2010), p. 63.

39 Dickhut (1988), p. 199.

40 Engel (2022), p. 119.

41 Ibd., pp. 119-120.

42 LLCO (2016b).

43 Pobedy (2020).

44 Dickhut (1988), pp. 342-343.

45 Rigby (1968), pp. 275-289.

46 American Association for the Advancement of Slavic Studies (1976), p. 53; Szymanski (1984), p. 145.

47 Szymanksi (1979), pp.88-89; Zickel (1991), p. 322.

48 Szymanski (1984), pp. 145-146.

49 Costello (1977).

50 Zickel (1991), pp. 228-229.

51 Szymanski (1984), p. 144.

52 Dickhut (1988), p. 369.

53 Conquest (1967), pp. 131-132; Szymanski (1984), pp. 142-143.

54 Barabashev and Sheremet (1989), pp. 20-21.

55 Davidow (1982), p. 73; Bechtel et al. (1978), p. 143.

56 Davidow (1982), pp. 155-159; Szymanski (1979), pp. 81-82; Bechtel et al. (1978), p. 145.

57 Turovtsev (1973), pp. 110-136.

58 Davidow (1982), pp. 162-164, 167.

59 Szymanski (1979), pp. 83-84.

60 Allen (1987), pp. 58-59.

61 Barabashev and Sheremet (1989), pp. 10-12, 16; Szymanski (1979), p. 83.

62 Dickhut (1988), pp. 218-227.

63 Marer (1972), pp. 24, 34, 87, 111.

64 Zickel (1991), p. 603.

65 Dickhut (1988), pp. 377-379.

66 Szymanski (1979), pp. 124-125.

67 Zickel (1991), p. 592.

68 Wilczynski (1972), p. 289.

69 Zickel (1991), pp. 591-592.

70 Ibd., p. 612.

71 Ibd., pp. 612-616.

72 Wilczynski (1973), p. 218.

73 Szymanski (1979), pp. 151-161.

74 Zickel (1991), pp. 591-592.

75 Dickhut (1988), p. 292.

76 Zickel (1991), pp. 613-615.

77 Szymanski (1979), p. 160.

78 Ibd., pp. 98, 147-148.

79 CIA (1953a); CIA (1953b).

80 Szymanski (1979), pp. 146-147.

81 Ibd., pp. 140-146.

82 Feifer (2009), p. 21.

83 Szymanski (1984), pp. 216-226.

84 Feifer (2009), pp. 2-3, 7.

85 Szymanski (1984), p. 224.

86 Braithwaithe (2011), p. 78.

87 Szymanski (1984), p. 97.

88 Lenin (1965).

89 Arthur (1977), pp. 205-206.

90 Losurdo (2020), p. 109.

91 Gowans (2012).

92 Allen (1987), p. 77; Brzezinski (1956), p. 106; Getty and Manning (1993), pp. 156-159.

93 Dickhut (1988), pp. 35-36.

94 Gowans (2012).

95 Szymanski (1979), pp. 134, 138.

96 LLCO (2016c).

97 Keeran and Kenny (2010), p. 63.

98 Dickhut (1988), p. 43.

99 Ibd., pp. 206-207.

100 Szymanski (1979). p. 37.

101 Ver, por exemplo, Hafemann et al. (1980).

102 Allen (1987), pp. 124-125.

103 LLCO (2016e).

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