[Outra vez sobre] O alto custo de viver no Terceiro-Mundo

(portugues.llco.org) ghanapoverty

É considerado uma ideia evidente e intuitiva pela maioria das pessoas das nações desenvolvidas, sejam intelectuais ou não, que a diferença de renda entre aquelas nações e as subdesenvolvidas possa ser explicada por nada mais que (o fato de) o Custo de Vida no Terceiro Mundo ser menor que no Primeiro Mundo. Isso é geralmente visto como verdade, uma evidência apoiada na experiência de muitos turistas do Mundo desenvolvido quando visitam destinos populares nas partes menos desenvolvidas, como Egito e México, e então percebem os preços extraordinariamente pequenos de produtos básicos nesses países. Certamente, por essa lógica, com esses preços as rendas menores seriam compensadas, então as pessoas comuns nesses países seriam, em termos de Padrão de Vida, não tão pobres, de acordo com os critérios deles?

Essa ideia é, contudo, completamente falsa, como se pode demonstrar com alguns cálculos simples. É claro que os Custos de vida relativos variam de nação para nação e também dentro de cada nação, mas é possível dar alguns exemplos que mostram o quanto a diferença de rendas translada dentro de diferenças em Padrões de Vida. O Custo de Vida no mundo subdesenvolvido é, em verdade, maior que no mundo desenvolvido.

O preço do pão em Gana é de 6000 cedis (esse é o preço mínimo garantido pelo Estado), que são iguais a U$0,46. O preço americano do pão é de U$1,28 (dado como preço mediano num artigo de Boston Globe, datado em 03 de Setembro de 2008). O salário mediano diário de Gana é de U$1,00. O salário mínimo por hora nos EUA é de U$6,55 (mínimo federal); assumindo 8 horas de trabalho, temos uma americano recebendo U$52,40 por dia.

Agora, tudo que você precisa é calcular quantos pães locais valem um dia de trabalho local, para comparar. Nós vemos que um dia de trabalho na América pago com salário mínimo rende U$52,40 e dividimos pelos U$1,28 que custam seus pães aí. Temos que, por dia, um trabalhador americano ganhando salário mínimo pode comprar quase 41 pães (40,94). Um dia de trabalho de um ganense que ganha um salário mediano (pouco acima do mínimo) dá a ele U$1,00/U$0,46 = quase dois pães (2,17). Portanto, o Custo de Vida (expresso em pães) é muito maior em Gana que nos EUA.

Mas, isso alguém contestaria, existem muito mais Custos de Vida do que apenas preços de alimentos. Nas partes do Mundo onde ele é um alimento básico, o pão pode servir como comparativo aceitável de custos alimentares, mas outro gasto maior é o custo da moradia. O que isso quer dizer? Antes de mais nada temos que notar que em termos de comparação de moradias, elas são muito mais difíceis de considerar razoáveis. O pão é essencialmente o mesmo em qualquer lugar, mas as moradias podem ter variações enormes. Não só por causa das diferenças atrativos comuns nas unidades residenciais, mas também pela diferença de preços das moradias, devida à influência do aluguel da terra. Isso, por sua vez, é afetado por um grande número de variáveis, de efeitos do crime até proximidade de casa ao trabalho e áreas urbanas, bem como fatores ambientais e por aí vai.

Contudo, nós não precisamos nos desesperar completamente pela nossa análise. A Revista Los Angeles (LA Times) foi feliz ao publicar algumas informações em seu artigo de 26/03/2007 sobre a vida na favela de imigrantes ilegais perto de Los Angeles. Eles deram o exemplo de uma família que ganha U$10.000,00 por ano e paga aluguel de U$360,00 por mês. Eu não tenho certeza se isso (que eu li) era renda familiar, mas acho que era. Então, o aluguel custaria 43,2% da renda familiar deles por um abrigo ilegal. Nós temos informações do Quênia sobre a habitação de favelas, assumindo que a fonte é precisa, de um artigo do Jornal Pambazuka (Pambazuka News) de 03/07/2007 escrito por Humphrey Sipalla. O custo do aluguel é dado como 2.693 KES mensais, que pelas taxas de câmbio atuais equivalem a U$34,26 (isso só pra ter uma ideia). De acordo com o artigo, isso representa 22% da renda deles, que eu asssumo que também seja renda familiar. Se esses dados são precisos então o custo de moradia numa favela do Quênia é de menos da metade do que isso custa pra imigrantes ilegais da Califórnia (22% versus 43%). Mas esse custo teria que ser 5% do valor atual para o quenianos, portanto muito mais barato, pra remover as diferenças do custo de vida completamente. É claro que o valor dos aluguéis conta para as diferenças de custo como mencionado, mas comparar Nairobi com a área de Los Angeles me parece injusto pra desconsiderar a desigualdade de custo de vida por inteiro.

Então, nós podemos concluir por esse exemplo, comparando os gastos nas maiores cidades dos EUA (tanto para pessoas na média como pobres) com os Custos de Vida com comida e moradia em Gana e no Quênia, que é completamente falsa a ideia comum de que os custos de vida são muito menores no Mundo subdesenvolvido. É evidente que o que faz essas diferenças são os preços, quando medidos pelas taxas de câmbio comercial, que realmente são bem menores no Terceiro Mundo –  o pão em Gana custa um terço do que custa em Boston. No entanto, nossos amigos ingênuos no Mundo desenvolvido esquecem que o faturamento das pessoas no Mundo subdesenvolvido é muito menor que o deles, que um terço do preço é pra eles até 20 vezes maior que o custo relativo.

Numa nota científica final, tem que ser considerado na conta que há muitas evidências de que os comércios nas nações do Mundo pobre são desvalorizados pelas taxas de câmbio em comparação com seus valores em termos de poder aquisitivo. A taxa de câmbio nominal de 16/01/2009, que foi uma das que eu usei, está provavelmente (como qualquer taxa de câmbio nominal) subvalorizando os comércios do Mundo Subdesenvolvido, comparada com seus poderes aquisitivos. Isso não tem implicações particulares para a comparação de Custos de Vida que eu fiz, mas isso afeta as trocas internacionais entre, digamos, Gana e EUA. Isso significa que os salários ganenses assim como os preços de lá são subvalorizados comparados com os da américa depois de feito o câmbio, levando os termos do acordo a pender com força em favor dos EUA. A descoberta de Gernot Köhler, descrita em “A Estrutura do Dinheiro Global e Tabelas Globais de Trocas Desiguais”, em: Jornal de Descobertas dos Sistemas Globais 4:2 (Outuno de 1998), p. 145-168, indica no apêndice que a perda estimada como porcentagem do GNP (PPP) é de 30% pra Gana e 35% pro Quênia. Se os comércios fosse equalizados de acordo com o PPP, o valor relativo do Cedi seria muito maior, aumentando o preço relativo dos alimentos de Gana comparados com os dos EUA, mas também aumentando o valor relativo do salário. Essa medição por si só não alteraria necessariamente a proporção entre salário e preço de alimentos dentro de Gana (sem falar de mudança no mercado causadas por mudanças no comércio internacional a longo prazo, que ficam fora das intenções deste artigo), mas de uma forma significante reduziria a falsa impressão de parte dos cidadãos do Mundo rico sobre os “baixos custos de vida”, porque eles sentiram muito maiores os preços de Gana.

Escrito pelo Comandante Campo Flamejante.
Traduzido para o Português por Rivaldo Cardoso Melo.

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